Monday, December 19, 2005
O Arrastao
Um dos nossos repórteres tomando um solzinho num Piscinão da Galera. © Ferrare
Ubaporu Presse Agentur, Berlin
Guiados pelos últimos acontecimentos na Cidade do Rio de Janeiro, mandamos uma equipe de correspondentes para uma série de reportagens sobre o Arrastão , uma modalidade de celebracções comunitárias que ocorrem naquela cidade maravilhosa durante as entradas do verão, que já está ficando famosas no mundo inteiro.
Logo na entrada, depois de deixar o Aeroporto Internacional Tom Jobim em um micro-onibus da Agência 171 Tour, nossos repórteres foram depenados em plena Linha Vermelha, por um entusiasmado comitê de recepções da Favela do João. Conseguindo escapar dessa com vida, e completamente emocionados com a gentileza e a simpatia da rapaziada, que ainda cantaram um pagode esperto antes de soltá-los apenas com as roupas do corpo, chegaram ao Hotel, onde ficariam hospedados durante a estadia.
Depois dos descansos necessarários da longa viagem, nossos correspondentes foram conhecer de perto a cidade, guiados por agentes de turismos, devidamente credenciados. Participaram do corre-corre de um tiroteio em plena Vieira Souto em Ipanema, entrevistaram menores depenando gringos em Copacabana; subiram o Buraco Quente da Mangueira para atestarem a qualidade do pó; visitaram os depósitos de armas anti-área do morro da Mineira e acompanharam um bonde-blitz que fechou o Tunel Santa Bárbara por quase duas horas.
A repórter Brigtti Meckler, extasiada, não parava de falar:
- Wundebar! Wundebar! (Que maravilha!!! Que maravilha!!!)
Depois de muitos contatos, presenciando e escapando de uma série de arrastões e achaques policiais em vários pontos da cidade, nossa equipe encontrou-se com Dona Maria Mete-Bronca do Morro do Quebra Tudo, considerada a maior arrasteira da cidade. O encontro se deu em seu reduto, na rua 3 daquela comunidade.
- Dona Maria, ficamos sabendo que a senhora é a arrasteira mais famosa por aqui, como é que é isso?
- É verdade, meus filhos, estou nisso há vários anos. Já ganhei até troféus e tudo e já apareci até na Globo. Outro dia mesmo veio me visitar uma equipe de televisão japonesa para me entrevistar. Mas na entrada, o arrastão de minha concorrente, a Penha Carro-12, deu uma geral nos japa, aí já viu, né? Também já recebi um pessoal lá de Bagdá, veio aqui para uma consulta...e estudar um pouco da nossa tecnologia...
- É verdade que a senhora está juntando comprovantes para sua entrada no Guinness, como a arrastadeira que mais fez arrastão?
- É verdade, meus filhos, mas a Penha Carro-12, com invenja, também diz que ela merece estar no Guinness. Vamos ver, né?
- Muito obrigado, Dona Maria!!!
- Muito obrigado voces. E cuidado ao sairem daqui, pois olhei pela janela e vi uma galera se juntando na esquina, esperando voces sairem...
Depois de conseguir furar o bloqueio do Quebra Tudo, nossa equipe, ainda com hematomas pelo corpo todo, seguiu até a zona sul da cidade onde estava rolando uma festa chick movida a Funk, uma modalidade de música banida das favelas e adotada entusiasticamente pela alta-burguesia do Rio, para a entrevista com uma socielite famosa: A princesa Pomba-Rolou de Orleans e Bragança.
Na Pista iluminada e enfumaçada da Disco, balançando a bunda e as jóias (carésimmasss, um luxo!!), na dança da cachorra, a princesa berrava: "Amor, queria que você/ tivesse o cabelo bom para não passar henê." E: "Estou toda atoladinha, estou toda atoladinha." Depois comentou para a nossa Reporter Briggti Meckler:
"Amo funk. Nunca fui a nenhum baile porque tenho um pouco de medo, sei lá sou lourona...", explicava Pomba-Rolou, suada. A princesa, que bateu bundinha como qualquer funqueira, também gostou muito da música "É que eu moro na estrada da Posseeeeee".
Perguntada sobre o Arrastão, respondeu:
- É meu sonho de consumo, participar de um Grande Arrastão. Iria ser a glóriiiaaaa, imaginem: eu lá no meio daquela fofoca toda, que loucura!!! Mas sei lá, sou lourona e a galera ainda não está acostumada com louronas em Arrastão... Mas precisamos é educar a galera para eles ficarem sabendo que nós também somos gente e queremos participar, contribuir, sei lá, o básico: ser igual a todo mundo, sem essa de preconceitos, sei lá!
Depois saiu rapidamente escoltada por vinte seguranças fortemente armados e entrou em sua lumosine blindada e ainda gritou em ritmo de funk para a nossa reporter, enquanto saia em disparada:
- "Desce! Perdeu! Abre a porta, f.p. ! Passa a bolsa, passa tudo!"
No dia seguinte, depois de uma maratona de telefonemas, nossa equipe conseguiu uma rápida entrevista com o Secretário de In- Seguranca interino do Estado, Delegado Alvo do Lins Nao é Nada Disso. Escondido em seu bunker, na Secretaria de Inseguranca. no Centro da Cidade, Dr. Alvo está indignado com um relatório de uma Ong de Direitos Humanos que relatava a violencia na Capital e de seus quadros policias:
- Isso é um absurdo. Nossa capital é um dos lugares mais seguros do mundo. Eu, por exemplo, nunca vi um assalto na minha vida. Só fico lendo e vendo isso pelos jornais e na televisão. É coisa de política, do PT. Os senhores estão vendo algum assalto aqui, agora?!!! Por outro lado, a nossa polícia é uma polícia inglesa, só tem gentlemen. Nem o Bush tem uma polícia como a nossa, altamente técnica, competente, cienctttíiiificcaa... Nossa polícia é a que mais contribui para os Direitos Humanos no país...
- E os Arratões, Dr. Alvo ?
- Sao fatos isolados, nao tem nada a ver com seguranca pública... São festejos das comunidades carentes, que nós temos que respeitar... Estamos numa democracia e temos que respeitar as diferenças... As vezes acontecem uns excessos, gente que cheira de mais, perde a linha e quer bagunçar a cidade. Aí, temos que interagir, conter os excessos. Mas o que estamos notando é que os Arrastões estao muito bem organizados. Incluisve estamos sugerindo ao nosso Secretário de Cultura e à nossa Governadora, para que no ano que vem se promova um concurso sobre o Arrastão mais bonito, mais organizado. E o mais votado receberia o Troféu Arrastão de Ouro do ano, entregue pela nossa Secretaria, com uma grande Festa no Teatro Municipal com a presença de vips e apresentação do grupo de Pagode das nossas Forças Especiais "Matamos Mas Não Acontece Nada"... Precisamos interagir com a Comunidade carente...
Na manhã seguinte, nossos reporteres foram até a Urca, participar de um evento do Viva o Rio e Salve-se Quem Puder, numa corrente de orações pela Paz na Cidade. De frente ao famoso morro do Pão de Açúcar, todos vestidos de branco e carregando velas acesas, cerca de mil manifestantes faziam a seguinte novena:
"No Pão de açúcar
de cada dia
Dai-nos Senhor
A Poesia de Cada Dia
No Pão de Açúcar
De cada dia
Livrai-nos Senhora
Dos Arrastões de Cada Dia..."
Estavam todos em concentração, quando se começou a ouvir estouros de rojões e batuques. e a gritaria de uma galera correndo desbalada em direção aos manifestantes. O que parecia ser o líder da novena, gritou para os manifestantes da Paz:
- Corram, que lá vem o Arrastão de Madureira, aí gente!!!!
Antes de deixar o Rio de Janeiro, nossa equipe soube, através de informantes, que o Ministro da Cultura Gilvelho Gil, estuda a possibilidade de estabelecer o Arrastão carioca como um Ponto de Cultura e seu possível tombamento como Patrimonio Cultural da cidade. O Projeto, segundo, as fontes, tem a simpatia do Presidente da República. Mas está esbarrando na rabujice do Casal Garotinho, que alega que "o Arrastão é Coisa Nossa" e não abrem mão dele para a governo federal, mas que aceitaria as verbas do Projeto para incrementar a sede da Federação dos Arrastões do Rio de Janeiro, "obra prioritária" de seu desgoverno de um real. Consultado, o Prefeito Cesar Mala, disse, em mais um factóide, que o Arrastão começou em seu governo e que tanto o governo federal e estadual estão se apropriando de uma obra de arte sua., de sua lavra.
Nossos repórteres deixaram a cidade na manhã de ontem, com duas baixas: dois de nossos correspondentes haviam sofrido um sequestro na porta da Boate Help, em Copacabana e até o embarque da equipe não haviam dado sinal de vida e nem a polícia, comunicada, sabia por onde começar a resolver o misterioso desaparecimento dos jornalistas. Será que foram pegos por um Arrastão?
Ras Adauto, Chefe de Redação
Ubaporu Presse Berlin
29-10-2004
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