Tuesday, December 04, 2007

Cultura | 04.12.2007

Autores brasileiros lançam livro e audiolivro infantis na Alemanha

"A magia de Zinho" e "Kuntaré, o menino-elefante" chegam ao leitor alemão. Nas duas histórias infantis, os autores brasileiros, radicados em Berlim, buscam inspiração em elementos dos imaginários indígena e africano.

"Gostaria de ser um crocodilo porque amo os grandes rios, pois são profundos como a alma de um homem. Na superfície são muito vivazes e claros, mas nas profundezas são tranqüilos e escuros como o sofrimento dos homens." A frase do escritor brasileiro João Guimarães Rosa é lembrada com prazer por outro João Guimarães, o autor do audiolivro infantil A Magia de Zinho.

Obra dedicada 'aos que crescem entre duas culturas'Bildunterschrift: : Obra dedicada 'aos que crescem entre duas culturas'Gaúcho radicado em Berlim há 16 anos, ele conta que começou por acaso a colecionar crocodilos e jacarés. "Quando meus filhos nasceram, resolvi escrever um livro sobre o assunto. Encontrei duas histórias da minha infância sobre jacarés. Uma delas gira em torno do personagem João, que foi trabalhar como mordomo de um homem rico em Londres e este homem era um colecionador de jacarés. Foi a partir daí que surgiu a história do Zinho, cujo texto foi criado a partir do repertório da minha infância com as ilustrações de hoje", descreve o autor.


A Magia de Zinho, um audiolivro acompanhado de booklet, chegou ao mercado através da horchideen, uma editora alemã "que se interessa, basicamente, por literatura infantil, embora o foco não seja necessariamente direcionado para o Brasil. Acima de tudo, os desenhos maravilhosos de Zinho nos convenceram, além da história e da forma como é contada", conta Yasmin Alinaghi, responsável pela publicação.


Pajelança


Uma das peculiaridades de Zinho, além do cuidado visual das ilustrações (que são, assim como o texto, assinadas por Guimarães), é a idéia de transmitir aos pequenos leitores na Alemanha detalhes da cultura brasileira, como rituais indígenas e a própria existência de um pajé, também personagem da história. Não à-toa, o autor dedica seu audiolivro "a todas as crianças que crescem entre duas culturas distintas".


Bildunterschrift:


Depois de ter sido raptado e levado por um homem para a cidade grande, onde é criado numa banheira, o jacaré Zinho acaba sendo levado de volta para o Vale do Murumuru – o momento da história em que os leitores alemães podem partilhar de uma pajelança.


Os sons da floresta que acompanham a narração no audiolivro foram extraídos de uma peça eletroacústica do compositor Eduardo Reck Miranda (brasileiro radicado na Inglaterra). A idéia, conta Guimarães, é organizar leituras para crianças, acompanhadas da reprodução dos sons, num projeto que começou em Berlim e poderá se expandir para outras cidades do país.


África como cenário


Do mesmo projeto de leituras participa também outro brasileiro radicado na capital alemã, o carioca Ras Adauto, autor de Kuntaré, o menino-elefante, um trabalho conjunto com o ilustrador cubano José Sanchez Curuneaux, editado pela Projekte-Verlag.


Bildunterschrift:


No livro, Adauto conta as peripécias dos inseparáveis Kuntaré e Kunté, um menino e um elefante, respectivamente. Situada num povoado africano, a história contém momentos de apreensão, provocados por homens armados, caçadores de marfim preparados para saquear e roubar.


Salvos pela força da água jogada pela tromba de Kunté, os dois protagonistas terminam celebrando "uma grande festa para sempre", ancorada principalmente na compreensão entre o animal (Kunté) e o homem (Kuntaré), que conseguia se comunicar com o amigo "na língua dos elefantes" (daí a suspeita de que ele seja "um elefante no corpo de um menino).



Tradições africanas, via autor brasileiroBildunterschrift: Tradições africanas, via autor brasileiro"


À primeira vista, há um certo estranhamento por parte de algumas crianças em relação ao protagonista negro Kuntaré, com seus olhos acentuados. Mas ampliar a galeria de personagens que podem povoar a imaginação infantil contribui para discutir a questão da diferença, um tema tão atual e pertinente na Alemanha", resume Adauto, que pensa, inclusive, em transformar as peripécias de seu menino-elefante num filme de animação.

Soraia Vilela

Monday, October 22, 2007

Um Africaninho e seu Elefante na Feira do Livro de Frankfurt



Um Africaninho e seu Elefante na Feira do Livro de Frankfurt

No dia 13 de outubro 2007, sábado, estivemos na „Frankfurter BuchMesse 2007“ – Feira do Livro de Frankfurt 2007, para o lançamento do nosso livrinho infantil „Kuntaré der Elefantenjung” (Kuntaré, o Menino Elefante). Lá fomos muito bem recebidos pelos editores e funcionários da Projekte-Verlag Cornélius GmbH, editora responsável pelo livro. Ficamos por um tempo no estande da Editora trocando idéias com as pessoas que apareciam, tirando fotos e sabendo melhor sobre a Verlag Cornelius. A Editora tem em seu catálogo mais de 700 obras entre ficção, literatura infanto-juvenil, história, medicina, filosofia, biografia, ciencias, artes, alimentação, geografia, ecologia. Segundo o seu editor-chefe, articula cerca de 2.000 contatos por dia. O nosso livrinho está sendo distribuido por toda a Alemanha, como é de praxe da Editora.

Depois de fazermos a apresentação de autor-presente, fomos visitar estandes brasileiras e portuguesas para orientação e contatos para a publicação do livro no Brasil e Portugal. De Portugal a que fechou melhor com o perfil do livro – uma histórinha passada na África – foi a Porto Editora . Essa tradicional editora atinge toda a África de lingua portuguesa e os representantes com os quais trocamos figirinhas ficaram empolgados com o nosso livrinho, apesar de sua publicação primeira está em língua alemã. Deixamos material com eles em portugues e até final de novembro deveremos ter uma proposta a ser estudada.

Do Brasil, fomos recebidos pelo representante da Câmara Brasileira do Livro que nos deu informações importantes sobre possíveis editoras brasileiras, as quais deveríamos recorrer para a publicação do livro.

O primeiro passo já foi dado, com a feitura e lançamento do livro na Alemanha, Mercado super exigente e muito difícil para quem é escritor estrangeiro e quer ter sua obra publicada aqui.

No dia 17 novembro de 2007, o livro será lançado em Berlin, pela ALivraria, livraria de obras brasileiras e portuguesas na Capital, dentro da Semana do Livro Berlin-Brandenburg. E no dia 20 de novembro, Dia de Zumbi dos Palmares, o livro será lançado dentro da programação dedicada às criancas de escolas na 3a. Mostra de Cinema Negro Brasileiro, no Kino (Cinema) Babylon-Berlin Mitte.

P.S.: Um agradecimento especial ao Dj Garrincha que nos cedeu o seu Cafofo, lá em Frankfurt, para que pudessemos descansar por uma noite antes de seguirmos na missão…Valeu mesmo!!!

Fotos: © Frankfurter Buchmesse

Ras Adauto Berlin
Nijinski Arts Internacional e.V.
17.10.2007


Friday, September 28, 2007

O Bambino e o Papa


O Anjo de Falconet


Como num Filme de Pasolini

É Manhã
O Papa faz seu passeio matinal
nos jardins de verao do Vaticano
Está pleno e meditativo
Um bambino se aproxima
E lhe saúda
Em sua mão há uma arma mortal

O Papa pergunta ao menino:
Como entrou aqui ?
Como é seu nome, bambino ?
O bambino nada fala
Apenas sorri
E atira 3 vezes no Papa…

Quando os cardeais chegaram
O Papa já estava morto
E o Bambino orava
Uma oração benedicta:

- “Ó Maria, concebida sem pecado!...”

Os cardeais pediram aos lixeiros
que tirassem aquele corpo dali
E elegeram o bambino
O novo Papa da Roma imperial

E toda a vez que perguntavam
O nome do bambino
Ele respondia:

- “Emanuel, o Miraculoso...”

O menino foi entronado
Com todas as pompas e honrarias
na Roma Imperial…

Um dia apareceu uma prostituta
Que se prostrou aos seus pés
E lhe lambeu as mãos e as faces…

O Papa-menino desceu do trono
Vestiu-lhe a rica capa de carmin e fios de ouro,
colocou a coroa de ouro e diamantes em sua cabeça
e lhe entregou o bastão da autoridade máxima.

Indo em direção à saída do palácio
Quando passou pelos cardeais
Apontou para a puta sentada garbosa no trono
Da Roma Imperial…:

- “Ali está a salvação, a última oportunidade de voces…”

E se foi pela Praça de São Pedro, fazer malabarismos para os turistas em meio às revoadas dos pombos e dos pedintes…

O dilema burguês ocidental


"é bom estar em qualquer lugar"
incendiou definitivamente qualquer alma
que não fosse sebosa, acreditava
enquanto dava ordens arrogantes
a seus escravos e servas

depois foi tirar férias em Mallorca
quando atendeu ao telefone da filha
que estava na África, ouviu:
- pai, fui seqüestrada por um comando rebelde
aí acabou toda sua prosa
e caiu na real do mundo

A Oxum de Berlin


um abébé
uma jóia de ouro
uma espada de cobre e bronze
a senhora das águas
veio e pediu passagem
no meio de tudo
Ora,yé yé, ó
senhora dos brilhos dourados
pássaro e peixe
de longos mistérios

Friday, June 08, 2007

O Menino da Rua


Artwork, TearsofaBlackMan

Quem é esse menino
Que me chama da rua
E tem cara de lua? …

Ele se veste de azul
E tem os pés descalços
E me fala com voz de passarinho:

- "Tiu, eu queria ter um tênis de estrelas
Ou as botas de sete-leguas daquele gato da história
Eu iria lá no ceú
Ou no fim do mundo
Buscar a felicidade para todos os meninos
E meninas que nem eu..."

E o menino da rua me pede com sua voz
De passarinho, de passarinho solto
Que nem esse menino com cara de lua:

- "Tiu, me conte uma história
Uma história assim bem bonita sua
Do tamanho de um trem veloz
Para que eu possa sonhar um pouco
E enganar a fome que ronca magra
Aqui na minha barriga."

E eu conto a história de Palmares
com todas aquelas peripécias épicas
Como se fosse um filme de aventuras
Passado no fim de um mundo de sonhos
Pro menino com cara de lua
E ele fica com os olhos cheio de estrelas
Que iluminam toda a rua…

Aí, o menino me pergunta de repente:

- "Tiu, o senhor já comeu um banquete
Daqueles imensos que o Rei come todo dia?…"

- "Eu não, menino, eu nunca comi um banquete
Desses de rei ou de barão, eu não, « passarinho »."

- "Eu já, Tiu, eu já comi à pampa num sonho meu…"

- "E o que voce quer comer agora comigo, menino da cara de lua ?"

- "Eu quero comer um pastel bem grande
E tomar um guaraná bem geladim
Depois eu vou embora pois tenho muito que andar
Por toda essa cidade do sem fim…"

Comemos os maiores pastéis do mundo
e tomamos os guaranás mais gelados da terra
E caimos na gargalhada do palhaço mais engraçado de todos
que apareceu na nossa frente puxando um automóvel de brinquedo
como se fosse um cachorro.

E antes de desaparecer como um mágico
na próxima esquina movimentada da cidade
o menino me pediu pela última vez:

- "Tiu, posso pedir uma coisa, antes de ir embora?…"

- "Pode, meu pequeno parente…"

- "Tiu, eu não tenho nome, será que eu posso me chamar Zumbi
que nem nessa história que voce contou aí?…"

- "Claro, Zumbi!!!…"

Ras Adauto, Berlin 2004

Thursday, May 24, 2007

Enquanto o Emí conduz a Vida


Quem chega, chega
Ao porto seguro
As artes que se propagam
Como o brilho do sol
Como o vento da vida
Como a imaginacao de um menino
A mesma magia de sempre
O beijo recebido do amor
Que desenha no corpo
Caligrafias e imagens
Que podem se projetar
Na livre Alma rebelde
de uma Artista
que nao teme a morte
ou o som do silencio
E tudo é possível nesse
Continente chamado surpresa
Caos, memória, experiencia
Viver é um assunto mais do que perfeito
Nesse nosso porto de virtualidades
e digitalizacoes

Navegar nem sei se é preciso
Mas nas cristas das ondas surfamos
E a bandeira pirata tremula a todo pau
Enquanto Orixás nos governam

(*Emí = respiracao vital, segundo os Yorubas)

Friday, April 27, 2007

O Índio que nunca mais dormiu...


(O Condor e a Coruja)

Era uma vez um índio que teve um sonho estranho. No pesadelo viu muitas máquinas que ele nunca tinha vista na vida real, que velozes, devastavam as plantacoes, destruiam as florestas, poluiam os rios e regatos e provocavam o exodo de sua tribo para bem longe das terras de seus ancestrais...

De manha foi ao conselho dos velhos e contou o sonho. Os velhos se reuniram todos na Casa do Conselho e lá ficaram até o outro dia analizando o sonho daquele índio.

Ao por do sol, os velhos chamaram todos e todas daquela aldeia para uma grande assembléia. E anunciaram que a tribo tinha agora que estar permanentemente em alerta, pois um imenso poder destruidor poderia estar a caminho e trazer muita dor para seu povo.

Dizem que aquele índio que teve o sonho nunca mais dormiu.
De dia ele é o
condor que voa lá no alto no céu, vigiando toda
a extensao do mundo em torno de sua tribo. De noite, ele é a
coruja, que vigilante, vasculha a escuridao com seus imensos olhos brilhantes, vermelhos e profundos...





Saturday, March 24, 2007

AMAZON STREET, DOWN!


Cunhaporanga

Garimpos de mortes, lucros clandestinos
e desesperos radioativos.
Índios lambendo lascas de cassiterita,
urânio e nióbio.
Comandos de motor-serras e fogos de queimadas.

Na fachada, em letras caprichadas de néon
e desenhos de araras:
"RESERVA: Turismo Ecológico!".

- Por aqui senhoras e senhores, que belo plano:
seringais nas vitrines
onças mestiças sonolentas
jacarés preguiçosos ao sol
macacos engraçados tocando punheta
ultimas novidades do Jupon

Wonderful, Wundebar, Amazonas!

O grande rio caudaloso
e seu afluentes e igarapés
correm seus destinos e máguas imensas
e não escutam os gritos das meninas morenas
estupradas nas taperas e quebradas.

O governador prega a moral nacionalista e regional:
- A Amazônia é nossa!...
Mas as suas mãos estão sujas de dólares e peles de jacaré
e quantas madeiras foram cortadas, curumim ?

A cólera se avizinha pelos intestinos dos meninos
e batalhões de urubus passeiam nos quintas
e margens do rio
anunciando uma ópera-fúnebre...

A turista-gringa videografa o caboclinho beautiful
fazendo piruetas engraçadas vendendo cupuaçu na porta do hotel 5 estrelas:
depois ela fotografa solene
a fachada da catedral-teatro Amazonas
(dizem que nos subterraneios da catedral
se arrastam fantasmas de índios massacrados
e uma imensa cobra mitológica)

Mas a grande selva-selvagem
ruge ainda as revoltas dos índios insurretos
e das antigas nações destrocadas
que não se entregaram nunca.

Mas seus poetas estão bêbados
seus pintores loucos
seus jornalistas mudos
(Será?)

O Karapanã ronda o próximo amanhecer
e tem a promessa escondida de Ajuricaba e Maruaga
(Será ?)

O resto é desconsolo e esperanças misturadas
imensidão de águas infinitas
novidades eletrônicas na Zona Franca
favelas de latas
turismo na parte da selva domada
ruídos irritantes de motor-serras
comboios de fenemes e mercedes bens
rasgando as estradas da floresta
arrastando minérios para as usinas nucleares
dos Estados Unidos e da Europa toda.

No fundo do agarapé
há um caboclo esperto
espiando pela janela da tapera
os invasores de suas terras
- segura firme o afiado terçado.

Um radar imenso vasculha a região
periquitos-turbinados cortam a mata à óleo diesel
levam o ouro clandestino misturado com o ipadú
e sangue misturados nos garimpos contaminados

Indiazinhas amordaçadas em puteiros palafitas
quilombos se irriquietam na bacia do rio trombetas
parabólicas emplumadas recebem a Rede Globo
em plena mataria dos manaús:
araras e jacarés-acu querem aparecer na televisão!

Padres pastores missionários bandeirantes generais
políticos fazendeiros burocratas garimpeiros antropólogos gringos
pesquizadores jagunços posseiros juizes sertanistas televisões
funai e tantos outros vampiros
cercam obsessivamente as malocas e aldeias.

Vou ali trocar uns dólar
- Tem suco de cupuaçu, graviola, mastruz, abacatada.
Fala alí com o Índio!
- Quero uma caldeirada de Tucunaré!
Uma ararinhanha de óculos ri pra mim!

O peixe boto-tucuxi
na sua importância de governador
diz cinicamente para Mary Anderson
correspondente da BBC de Londres:
- Internacionalizar?
nem pensar:
isso aqui é uma reserva ecológica
auto-sustentada. ok?
e pergunta para sua assistente:
- Fui bem? Fotografei bem?

E um curumim. saído no sei da onde,
vira-se para a câmera da BBC e diz:
-"Yá só Pindorama koti itamarana pó anhatin,
yara rama ae rece".
(Criança, não verás nenhum país como esse!)

Ras Adauto Baraúna
(Psicografado na madrugada de 02.03.1992, a bordo de uma
rede instalada entre mais de 100 outras redes e almas,
no motor "Rodrigues Alves II, entre Santarém e Belém do Pará,
Rio Amazonas)

Sunday, March 04, 2007

Eu, Ras Adauto, faço de Lima Barreto um personagem de minha performance


Lendo "O Diário Íntimo de Lima Barreto"
hoje de noite!

Como num poema de embriagues
fala-me nas sombras do meu quarto aqui de Berlin
nessa noite fria de primavera
Afonso Henriques

Meu filho Leon dorme como um anjo mestiço
em seu quarto cercado de brinquedos
enquanto Katharina digita em seu note-book
uma história maluca...lá na cozinha.

E o que me fala Afonso Henriques
mais conhecido como Lima Barreto
para outro negro que nem ele
mas vagando em terras estrangeiras?

Uma televisão está ligada na casa do turco ao lado
e eu falo para Afonso Henriques:

- Afonso, o que mudou em nossa Bruzundangas?

E Afonso me responde, enquanto toma sua pinga
mesmo no gargalo:

"Um progresso! Até aqui se fazia isso sem ser preciso estado de sítio; o Brasil já estava habituado a essa história. Durante quatrocentos anos não se fez outra coisa pelo Brasil. Creio que se modificará o nome: estado de sítio passará a ser estado de fazenda. De sítio para fazenda, há sempre um aumento, pelo menos no número de escravos..."

Depois desaparece no meio dos móveis prometendo voltar
outra noite com mais calma e menos bêbado...




Lima Barreto no Hospício

Take 2:


O Diário de um tipo Extravagante

Dias depois encarno Lima Barreto em uma performance:

Ano: 1903
Afonso Henriques enquanto jovem:

Meu personagem, vestido elegantemente um pobre terno preto, tendo à cabeça um chapéu panamá, escreve com suas letras graúdas e perfeitas em seu “Diário Íntimo”:

”Eu sou Afonso Henriques de Lima Barreto.
Tenho vinte e dois anos.
Sou filho legítimo de João Henriques de Lima Barreto.
Fui aluno da Escola Politécnica.
No futuro, escreverei a História da Escravidão Negra no Brasil
e sua influência na nossa nacionalidade.

* * *
Nasci em segunda-feira, 13-5-81.

..................
Alguns anos depois, meu personagem vaga como um fantasma pelos Corredores do Hospício do Pinel, em Botafogo. E recita para si próprio:

- Estou cansado da polícia interferir sempre em minha vida particular.
Eu, Afonso, não nasci para habitar o Cemitério dos Vivos. Enquanto isso essa canalha, vestida à francesa, passeia pela Bruzundungas pomposos e ridículos,donos dos puteiros, das loterias e das casas bancárias...
“Mas... estou na cova e não devo relembrar aos viventes coisas dolorosas.”

A sopa do Hospício veio fria e insonsa. Afonso olha pela janela, enquanto um doido passa correndo pelo corredor sendo perseguido por uma freira nervosa. Suas letras no papel amarelado sao garranchos obtusos. Suas maos tremem!

Textos de Lima Barreto e Ras Adauto

Wednesday, February 28, 2007

A História de Juvenal da Paraíba em S.P.


Detalhe da pintura "Os Colonos",
de Di Cavalcanti

Nenhum lenço branco de saudades
Balançou para Juvenal no cais do porto
Quando partiu das Paraíbas
Para São Paulo

Levava apenas uma rota mala
E uma esperança cega de se salvar
da fome e da miséria
Nas Paulicéias

Sabia fazer o que, Juvenal?
Capinar uma roça inteira?
Usar uma peixeira com precisão para destrinchar um bode?
Tocar uma rebeca como o Cego Deraldo
Que corria os sertões imenso gritando: Luz!?
Matutar pelas beiras dos caminhos
Como tantos outros aflitos
Desse imenso Brasil interior?

Nas paulistas Juvenal teve que aprender duro
A ser rápido e rasteiro
Correr dos meganhas na Estação da Luz
Dormir em uma cama imunda
Onde dormiam mais 3
Numa espelunca
Que chamavam de Pensão do Bexiga
E a usar um trabuco
Com o qual matou um baiano
Por causa de um copo de pinga
Na casa de uma puta
Conhecida como Moça Flor

Tuesday, February 27, 2007

DIALOGANDO COM O POETA OSWALD DE ANDRADE


Retrato de Oswald de Andrade
por Tarsila do Amaral, 1922

DIALOGANDO COM O POETA OSWALD DE ANDRADE

-
Re-lendo, nas minhas horas possíveis de descanso, às "POESIAS REUNIDAS" do Poeta paulista Oswald de Andrade, o grande Clow do Modernismo brasileiro, me deu vontade de fazer algumas intervenções. E como ele fez muito bem nos anos 20 e 30, resolvi "antropofagiá-lo" um pouco. Baseando-me em suas poesias do Livro "POESIA PAU BRASIL"(1923), que uma amiga de Faculdade de Letras chamava "Poesia Pau do Brasil"; e no "Manifesto Antropofágico" (1925). Aí deu mais ou menos o que temos abaixo:
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SAMPLE ADAUTIANO DO GLUTÃO OSWALD DE ANDRADE do BRASIL VARONIL


"Só me interessa o que não é Meu" (Oswald de Andrade).
"Só a Antropofagia nos Une. Esteticamente. Filosoficamente". (Oswald de Andrade).
"O Gênio da Raça é uma grande besteira" (Oswald de Andrade).
"O verdadeiro artista é o vampiro da raça. Vive das obras alheias" (cineasta francês Jean-Luc Godard
).

“O que é plágio, o que é comelância? – Pra Botocudo nenhum botar defeito!



A Máquina Tomada: Uma Sugestão de Blaise Cendars:

”tendes as locomotivas cheias, ides partir.
um NEGRO gira a manivela do desvio rotativo em que estais.
o menor descuido vos fará partir na direção
oposta ao vosso destino”.

E aí, babau "democracia racial"...

::::::::::::::::::::::::::::

Virtuoses de Pianos de Manivela

Onanistas de Pacaembu
abrem concurso de punhetas


o guarda-de-transito pediu passagem
para as
Odaliscas do Morumbi
e para a passeata gay que festivalizava a rua Augusta

com um Cristo de Lucrécia Bórgia de Porta-estandarte

Todos os papagayos aplaudiram
e as maritacas ficaram histéricas de felicidade
querendo ver de novo...
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O meu primeiro caderno de poesia
o fogo lambeu...

=======================

Oração

No céu, no céu
Com "sua" mãe estarei
.

Depois iremos dançar a chula
numa Catedral de Samba
...
==========================
Internet

1

Bestona Querida
Estou sofrendo horrores
Sabias que eu ia sofrer
fiquei nas mãos dessa gente deprimente da Casa Grande
Que tristeza essa casa do Lavradio,
até os grilos estão um porre!...

O que me salvam é essa pinga mineira
e essa menina brava das paraíbas
...

2

Que alegria teu e-mail
fiquei tão contente
que fui à uma missa carismática
(t´esconjuro bangalô 3 vezes
!)

Na igreja toda gente me olhava
com olhos gulosos

ando desperdiçando beleza
longe de ti
...
========================
ANACRONISMO & OUTRAS MUMUNHAS MAIS

O português ficou comovido de achar
um mundo inesperado nas águas
e disse: ESTADOS UNIDOS DO BRASIL!


Um negro de lindos dentes de marfim
falou para o Botocudo emplumado
da Taba de Jabaquara:

- "Bote fogo nesse portuga, parente!..."


Depois saíram de braços dados
e colocaram uma Escola de Samba
na Avenida Palmares...

======================

Riquezas Naturaiz

Muitos metaes pepinos romans e figos
De muitas castas.
Uma infinidades.
Muitas cannas da çucre
Infinito algodam
Também há muito paobrasil
Nestas capitanias


E tem moçoilas casamenteiras já passadas
esperando maridos que nunca chegam
Uma infinidades.

Muitos pintos calçudos fumando uma erva danada
embaixo das bananeiras
.
Também há muitos paroaras e indios desgarrados
chupando picolé de cajú na Estação da Luz.
Destas capitanias
==========================

Os Poetas da Minha Terra
São Negros embaixo das bananeiras


Depois todos vão dormir

O tempo das Senzalas acabou!

====================

Aquele Amor
Nem me Fale


Senão faço e Aconteço
e não respondo por mim
!
==================

Promontório(s)

Que há por aí?
Amor
Chuvas ao longe
Mormaço
Mentira
Radar


Que há por aqui?
Crimes de novelas
171 dos parlamentos
Tico-ticos no fubá
pancadões de pós malhados

pastores vendilhőes
padres sodomitas
Surubas
======================

Quindim da Central

bicicleta
na alfaOmega
da Muqueca
da Baiana do Quindim

white mouse
do un@Bomber
na catraca
da Central do Brasil
========================
Duas istóryas de Yndio

1

Tupinambá Reverse

Eat Me
Again!
..........

2

Indio Bebum na Cidade Grande


tupã
tupy

pitú

===================

Pretu Véi

Pretu Véi do Canindé
lá no meio dos Cafundó
sonhou com a Princesa Isabé
Ora vejam só
Tomando rapé
Cheirando a chulé
...
===================

HAI-CAI

Yara desarvora
na Lua Cheia

depois chora.

====================

Mestre Vavá da Purificacao

Mestre Vavá da Bahia
Foi ele quem me dizia

São Bento Pequeno Cavalaria:

"Antes era tudo Angola
Angoleiro Angolinha"

E berimbau respondia:

"E tim-tim-tim,
Ó não-não-não"

"E viva a professora Zilda
que moça de estimação
que levou o Maculele
pra televisão..."

- Tá danado da vida, Tit-ticoi-tico?

============================

O Alpinista
de Alpenstock
desceu
nos
Alpes


comendo
Alpiste.

=====================
Oracao II

No Pão-de-Açucar
De Cada Dia
Dai-nos Senhor
A Poesia
de Cada Dia


No Pão-de-Açucar
De Cada Dia
Livrai-nos Senhora
Dos Arrastões
De Cada Dia

====================


Querida Bestona!
Hoje pensei em você quando acordei
Passei a noite toda sonhando
que era um piano
no meio de um vasto oceano verde.

Ouvi música até tarde.
Fumei uma diamba de pernambuco.

Um morcego rastaquera cruzou
nervoso toda a sala
e sumiu atrás da televisão.

Ninguém apareceu no elevador.

Comi pouco
sonhei pensei
Enlouqueci

Do seu, Zanzibar!

==================================
ÈBÓ

Filho dessa casa
leve isso a Èsù

Corre, depressa...

- Èsù, aceite o presente!
==========================

ARACY

- Aracy, Mãe do Dia
cadê as Meninas?

- Desceram o Tapajós
cheirando a alecrim
para encontrarem
o Boto namorador.

- E aí, Aracy?

- Depois é só Curumins e Cunhantãs
pra tudo quanto é lado;
se um/a morre a gente enterra
no fundo da floresta.

- E depois, Aracy?

- Selva, seu moço,
aparições e milagres.

- E o que mais, Aracy?

- Ah!, se o senhor quiser me trazer
um vestido bonito lá de Belém
será do agrado meu.
Eu também sou moça
e gosto muito das bonitezas da vida.
Todo dia me lavo no Amazonas
me penteio, me perfumo toda
E já pari mais de mil curumins
por esse mato tudinho...

- Então até logo, Aracy!

- Até logo, moço bonito
Bom dia
E não se esqueça das minhas prendas!
=============================
agosto 2003

O POETA & O SOLDADO



"Não conseguiu fazer
o grande pacto entre o cosmo sangrento e a alma pura: guerreiro defunto mas intacto (tanta violência mas tanta ternura)" . Mário Faustino

O ARAUTO:

Tantas vidas desperdiçadas
tantas batalhas inúteis
tantos sonhos desfeitos
na sangrenta aventura
e a pura alma amordaçada
tentou decifrar para os futuros
aquela inútil e titânica ventura
com suas palavras de fogo
entranhas sangrentas e amargura
e o poeta dizia com toda a sua candura
tanta violência/ mas tanta ternura...



O SOLDADO:

Eu fui mandado
com todas essas armas
para ocupar esse território;
fui treinado para isso:
- ocupar. matar, desintegrar
sou pago para isso
minhas armas poderosíssimas
são os complementos finais
de minha alma hoje em dia:
matar ou morrer
é o mesmo calibre
- fui exaustivamente
treinado para isso:
morrer ou matar!...


O POETA:

Ontem sonhei
Anteontem sonhei
e acordei no meio
da terrível realidade:
não bastam somente às palavras
que são as palavras
sob a eminência de permanentes tragédias
e chacinas de pessoas
no Rio de Janeiro
na África
na Bósnia
no Afeganistão?!...


O SOLDADO:

Quantos já matei?
Não sei. Milhares. Milhões.
Sou um serial killer bem programado
em circuitos perfeitos;
quando aponto minhas armas
mortíferas e certeiras para um alvo
só tenho uma determinação
uma só ordem: destruir
totalmente o alvo.

Não existem certo ou errado
no meu mundo
existem a ordem suprema
as armas em minhas mãos
o alvo a ser atingido
e o meu desempenho inabalado.

Sentimentos?
Não os tenho nenhum
tenho boa mira
e a obstinação de destruir
definitivamente o Alvo
que podem ser cidades
aldeias carros de combate
usinas monumentos populações civis
- todos são o Inimigo, o Alvo
se essa for a ORDEM!...


O POETA:

À vezes ando pelas ruas
e não me sinto mais
turbilhões de sinais e ícones
tentam chamar a minha atenção
e quantos cadáveres caminham
por essas ruas!...

Vejo toda essa programação mórbida
que me atormenta
enquanto meu coração pede
i n s i s t e n t e m e n t e:
VIDA VIDA VIDA
como um mantra interminável
uma última oração
no meio do caos
e das íntimas e coletivas tragédias
enquanto caminho entre os cadáveres
máquinas precisas e sedutoras
e imagens espetaculares e manipuladas...


O SOLDADO:


Nesses séculos
estive em todas as batalhas
combati em todas as guerras
em qualquer lugar
de todos os hemisférios.

Lá estavam as minhas armas e eu
oscilando no mesmo
e crucial destino:
- matar matar matar!!!

Era a nossa única ORDEM...


O POETA:


Quantas vezes olhei o mundo
de maneira diferente
sóbria esperançosa delicada
amei tidas as mulheres possíveis
com essa mesma sintonia.

Meu coração se derramava por tudo
falava com as coisas
compunha sinfonias incessantes
construía paises azuis
dialogava com os seres que vivem nas sombras
eu era tão jovem
e criava cidadelas alegres
recitava poemas d´amor
ia em todos os lugares:
etiópia constantinopla alexandria urucu-mirim
fui ao reino de Gengis Khan
visitei Akaenathon Nzinga e Carlos Magno
estive com Maria Antonieta em Versalles
saudei Zumbi em Palmares
imaginei conquistas perfeitas
estados generosos
civilizações delicadas
repúblicas anarquistas
conciliei raças e nações belicosas
invoquei deuses de todos os panteões
adorei deusas de todas as seitas
rompi fronteiras inexpugnáveis
dormi ao ar livre como uma onça
voei com as águias a céu aberto
encontrei profetas no deserto
banhei-me no Jordão no Nilo e no amazonas
dancei na Via-láctea a dança do Sol
enquanto morria de amor
nos braços de uma cigana
numa lua resplandeceste
de violinos guitarras e castanholas
como um personagem de Garcia Lorca
em Andaluzia...


O SOLDADO:


Armei milhões de emboscadas
cobri campos e campos
com milhares de minas mortíferas
detonei mísseis em capitais e cidades
degolei cabeças
esmaguei guerrilhas e revoltas localizadas
assassinei políticos e oposições
na américa latina
na áfrica
no oriente
na ásia e oceania
ocupei a europa
nenhuma moral nisso
- é a sentença de uma Ordem Superior
de uma Raça Superior
de uma Missão Superior:
subjugar e destruir o inimigo
onde ele estiver
em todos os continentes da terra

Inclusive destruir esse poeta idiota e fraco
que tenta dialogar comigo...

- Sou maior que Napoleão Átila Júlio César Hitler
sou o Arcanjo do último selo assinalado
meu nome é Armagedon
Eu Sou...e mato tão Completamente!...


O ARAUTO:

O POETA e o SOLDADO
se digladiam no meio do Mundo
como num filme de catástrofes e destruição
Um Anjo branco toca uma trombeta
no umbral da porta principal das Metrópoles
enquanto um Negro Anjo dança
com uma bailarina num trapézio
com as cores do arco-íris
entre o céu e a terra
todas as televisões estão sintonizadas
nessa grande e final loucura
e o sussurro do poeta ainda acalenta:
- tanta violência/ mas tanta ternura...

Berlin 4 de setembro de 2002

Thursday, February 22, 2007

La Virgen de los Sicários


A virgen de los sicários, pistoleiros
do narcotráfico: duas pistolas apontadas
para a cabeca e, no lugar do coracao,
uma granada...


A santa "mártir" da Colômbia
Tem duas pistolas apontadas para a cabeça
E o coração é uma granada
Quando se vai rezar para a santa
O que se reza?:
Para se escapar com vida
Na próxima esquina
Como no Rio de Janeiro?
Para que todos nós tenhamos paz
E a concórdia banhe a cabeça de todos?
Ou pedirmos mais armas
Para a eminente guerra civil
Que toma conta das cidades?

A santa "mártir" da Colômbia
Chora de piedade ou tem iras e ganas
De matar cada vez mais?
Ou quem sabe está meditando
Sobre as gerações futuras
Que nascerão
Cada um/a com uma arma já na mão
Granadas no coração
E na cabeça a frieza dos assassinos
Que as sociedades latinas
Transformaram seus jovens
Famintos, excluídos e narcotraficados
No grande espetáculo da globalização...

Saturday, February 10, 2007

A Cidade e o Pequeno Malabarista



O sorriso é belo
Mas a manhã é sangrenta e povoada de medos
O que se espera desse dia?
O que se espera dessa criança
Que deveria estar na escola a essa hora?

O pequeno menino faz malabarismos
Nos sinais dos trânsitos
E os carros passam com as vidraças
Fechadas de medos e paranóias

Os carros são tão brilhantes
Os dentes do menino são tão brancos
A sua pele reluz negra ao sol
Como uma bandeira de futuro adiado
Mas a cidade é do medo

A cidade tem movimento
Mas a manhã toca uma sinfonia sinistra
E o menino só espera ter alguns trocados
Para levar para casa
Por isso se equilibra
No medo dos carros de janelas fechadas
E pessoas apavoradas lá dentro
Trancadas como num esquife de motor e gasolina

O sorriso é belo como uma escultura de marfim
Num rosto de ébano
Mas a cidade é sangrenta de medos trancados
Em carros brilhantes e velozes