Wednesday, December 27, 2006
Olho por Olho
O Olho castanho
Tinha muita inveja
Do Olho verde
Porque todo o mundo
Só reparava no Olho verde
E nunca olhava para ele
O Olho verde na verdade
Era uma Olha verde
Um dia o Olho castanho
Resolveu se vingar
Convidou a Olha verde
Para ir à sua casa
E ver a sua imensa coleção
De lentes de contato
Chegando lá a Olha verde
Foi embriada com muito vinho
E maconha
E o Olho castanho aproveitou
E fudeu-a a noite toda
Até a madrugada
Nove meses depois
A Olha verde
Pariu uma linda
Olha caramelada
Mistura de verde e castanho
Aos 16 anos Olha caramelada
Apaixonou-se por um jovem
E altivo Olho negro
Nove meses depois
Pariu três Olhos azuis
Rodeados de um círculo negro
Esses Olhos azuis e negros
Desde criança
Só querem usar lentes
Castanhas
E parecerem com seu avô
O Olho castanho
Saturday, December 09, 2006
A fotografia de Clarice Lispector
Os olhos de Clarice
O jeito de Clarice
O drama de Clarice
As palavras ocultas de Clarice
Numa fotografia
Dependurada
Numa Exposição
Na embaixada brasileira
Em Berlin
Passei diante da fotografia
E fiz click com a minha
Maquininha digital
Tentando desvendar
Do nada
A alma de Clarice
Uma mulher veio me perguntar
Porque você fotografa uma fotografia ?
Eu disse: não, eu fotografo
O rosto de Clarice
Ali está o enigma dessa foto
E eu queria falar com esse rosto
Clarice me entenderia
Saturday, December 02, 2006
Dormindo
"Leon viaja no país do sem-fim"
Viajo por um país sem fim
E de mim cacos de vida pelo chão
E o coração pelas tribos
Minhas mãos acenam em cada porto
Eu vou só mas vou com todas
Nenhuma lembrança mais triste
Ou feridas na pele
E a pele negra que brilha ao sol
Sou eu em toda a firmeza
E meu amor num país antigo
Ainda me pede uma canção
Maior que esse mundo todo
Que desemboca no mar
E se dissolve no vento
Que varre a casa que vou deixando
Pra trás
Entre Rinocerontes
Insisto em andar
Entre rinocerontes
E quando perguntam
Meu nome
Digo que sou
Uma fruta gogóia
Faca de prata
Santo rebelde
Anjo internacional
Olho pela janela
Do trem S-bahn que atravessa Berlin
E vejo essa paisagem
Estranha
Que já me acostumei
A ver todo dia
E acho que meu país
É mais bonito
A moca turca é lindíssima
Em seu véu e em suas roupas carregadas
Que prendem seu corpo
Com correntes religiosas
E ela me olha de banda
Quando passo por ela
E vejo um brilho rápido sensual
Em seus olhos negros de Turquia
E penso em uma tara com ela
Continuo entre os rinocerontes
E desembarco em Alexander Platz
Onde antigamente era a favela
Dos pobres judeus
E não me sinto num filme
De Fassbinder
ou num teatro de Yonesco
Wednesday, November 15, 2006
Der kleine Geigen Spieler
Es ist Mitternacht
Über den Dingen
Liegt ganz große Ruhe
fliegt
Im meinem Zimmer
Und laut spielt
Ihr kleine Geige
Ich rufe ihr zu:
„Lass uns in Ruh´...!“
(O Pequeno Tocador de Violino
É meia noite
Um grande silencio
cobre todas as coisas
Sómente uma mosca
voa
em meu quarto
e toca alto
seu pequeno violino
E eu digo para ela:
"Deixa-nos em silencio!...")
Num muro em Berlin
Monday, November 13, 2006
O Dogma de Salomé
Aqui tens a cabeça de São João Batista
Ele dizia que era santo
Mas eu, Salomé, provei que não
A cabeça de um possível santo
pode adornar em um bandeja de prata
a mesa do senhor maior de Israel
E enquanto o Centurião romano vem
se banquetear em missao diplomática
Eu, Salomé, danço para os nobres senhores
para encantá-los
A cabeça de São João Batista não é a cabeça
de Emanuel da Palestina
Aquele terá uma outra sina
Pois cruzará com Herodes e Poncios Pilatos
Enquanto eu, Salomé, estarei dormindo
entre véus perfumados e incensos de mirra
Ras Adauto, Berlin 13.11.2006
Friday, November 03, 2006
O Mar da Costa observa a Guerra Naval em suas águas
O mar pelo avesso
Não me absorve
E eu neste cais além dos precipícios
Ainda vejo os navios
Que foram para as guerras
A água me sara
E é como lágrima
De algum anjo extinto
No copo em que bebo
Nada transborda
E os navios
Em mar alto
Ainda se bombardeiam
E eu na praia
Absorto no vôo
Dessa elegante gaivota
Pergunto às sete ondas
Que vêm beijar-me os pés
A mando de Yemanjá:
"Quando essa guerra inútil
afundar-se-á no ventre profundo
dos oceanos...?"
Fotos: Encoracados Iowa e Missouri
Wednesday, November 01, 2006
O Casamento de Tatá Mirô com a Morena das Matas
Muma vai ao casamento de Tatá Miró
Foto: Ras Adauto Berlin
Eu não sou Jacú
Eu não sou Jacú
Olhe bem pra mim
Olhe bem pra mim
Eu não sou Jacú
Jurubeba da Pemba
Misturou com a Jurema
Quem mandou foi um Rei
Que é Tatá Mirô
Que é Tatá Mirô
Que procurou na Floresta
Uma bela Morena
Uma bela Morena
Para se casar
Boiadeiro quem trouxe
Um presente pra festa
Um cavalo alazão
Que correu na ribeira
Também veio de longe
Toda a côrte do Congo
Que saudou no Gongá
Todo mundo das Áfricas
E nas matas de ronda
Os caboclos dançaram
Os tambores bateram
Todos os povos saudaram...
.....................
"Jazz Jiva Zabalaza
Falou a rádio Nigéria de Abeokutá
Pra Nelson Mandela
Na Bendhela do Batistão"
(Um Griot de Adis Abeba)
Thursday, October 26, 2006
E essa absurda vontade
Leon, meu filho e o Afrika em Berlin
Essa vontade de ser sinceramente todas as coisas
Essa vontade de ocupar todos os lugares possíveis
E de ter todas as cores do arco-íris
E de ter todas as vozes que falam ou cantam
E ser todas as danças e todos os estilos das modas
E de ser de todos os continentes do mundo
E essa vontade de nascer sempre que for preciso
Assim caminho, humano e frágil.
Em um mundo conturbado e dividido por classes e raças
Por mentalidades absurdas e asssassinas
Por espetáculos grandiosos, mas pequenos
Para a grandeza de uma alma carregada de amor
Assim caminho, humano e frágil
E vou reconhecendo em cada um e em cada uma
Que encontro pelos caminhos
Um pedaço de mim
Um pouco de meu projeto e sonho
Quando fui concebido e ainda
Não era nada mais do que um plano
De meu pai e de minha mãe
Que amavam a humanidade
E morreram pobres
Mas de corações plenos por todas as coisas
Wednesday, October 25, 2006
Os Vaga-lumes
Hotaru no Haka, 1988
A minha infância era povoada de vaga-lumes
Aquelas lampadinhas mágicas e acesas
Tomavam conta da noite
E disputavam com as estrelas e a lua cheia
Quem iluminariam mais e melhor
Os nossos sonhos noturnos
Se entrávamos nos matos ao redor
Nossos cabelos ficavam cheios de brilhos
Que piscavam nervosos
E nós parecíamos figuras saídas
De alguma novela de fadas
Ou seres que vivem perambulando
Nos mundos mágicos e paralelos
Hoje saio à noite aqui em Berlin
E não vejo nenhum vaga-lume aceso
Apenas os faróis dos automóveis
Que passam rápidos e indiferentes
Às minhas lembranças dos meus pequenos
Amigos iluminados
Mas eu sei que em alguma mata escura
Lá no Brasil
Eles estão vivos e disputando
Com as estrelas luminosas e candentes
Quem mantém acesas e vivas
as memórias que se perpetuam
em minha alma ainda infantil...
Saturday, October 21, 2006
Wednesday, September 27, 2006
Os Erês do 27
Vieram os dois-dois
Que sao dois negrinhos
Comerem do caruru de 1000 quiabos
que ofereci
Os dois-dois viraram 7 (sete)
Logo após eram 21
Mais tarde dois-dois
Eram tantos e faziam uma
Grande algazarra pela casa toda
Depois eu vi dois-dois
Na beira d´água
Comendo arroz
Bebendo água
E quando passei por ali
Dois-dois me perguntaram:
Tio, cadê as balas e as cocadas?
Tem um dinherinho aí, Tio?
Monday, September 25, 2006
Os Payayás vieram
ìndios Pataxó - in : Ação Popular Socialista
à Juvenal e ao seu neto Payayá
Os Payayás sempre estiveram lá
mas os massacres sempre estiveram lá
porém um dia os Payayás resolveram
trazer novamente as luzes que os iluminam
e começaram a renascer
e como flores e estrelas
como palavras mágicas, rituais e ventos
vieram do interior de onde estavam exilados
E no meio deles e delas revigorados
Crianças novas de placentas guerreiras
pediram passagem e vieram
E os Payayás cantaram e dançaram
e aquele povo nunca mais se escondeu
ou se deixou esquecer
e combateram decididos os eternos algozes
de todas as nações indígenas brasileiras...
E a criança falou orgulhosa aos ventos e às humanidades:
- Eu sou Payayá!
Ras Adauto Berlin
25.09.2006
Saturday, September 23, 2006
Quando ?
Quando o meu povo
Não passar mais nenhuma necessidade
Nem suas crianças não chorarem
Mais de barriga vazia
E seus pais desesperados
Sem saberem o que fazer
Quando os meus jovens
Não forem mais assassinados
Num beco qualquer de uma favela
Ou num tiroteio intenso
Em plena avenida central
Ou não forem mais humilhados
por essa Polícia brasileira bandida
Quando a cor de minha pele
Não incomodar ninguém nas ruas
Ou na entrada de qualquer
Prédio ou edifício da cidade
Quando eu entrar em um banco
Ou em um supermercado
Como qualquer cidadão comum
E os seguranças não me olharem
Com aqueles olhos desconfiados
E prestes a atirar em mim
Quando todo o meu povo
Poder dormir em paz
E terem todos os seus sentidos
Satisfeitos e em boa saúde
Aí sim ficarei calmo
E poderei ir jogar biriba
Com meus vizinhos
tranqüilamente
E se eles forem brancos ou não
Isso não terá para mim
Mais nenhuma importância
Friday, September 22, 2006
Alguma coisa no meu My Space
Katharina "Paraguassú" e a Serpente
Category: Writing and Poetry
Falei com o Sidney sobre o filme que vamos rodar apartir de sábado, dia 30.09.2006.
Depois falei com o Mestre Caracu sobre o Macumba do próximo domingo, lá no Acud. M.A.C.U.M.B.A. das boas, tambores afrobrasileiros de Berlin
Escuto Reggae música, enquanto tento entender um pouco o "MySpace", onde fiz uma inscrição.
Palavra de poeta ou de bandido?
A música que sobe pelas paredes é de que cor
e que gosto tem essa música que ora escuto aqui no meus
ouvidos delicados: um Dub...?
Coloco o meu amor na fita, aquela que me atura o tempo todo.
Uma santa, dirão? Não!... Katharina la Henges, grande artista e batalhadora, amiga para todo o sempre.
Escuto os vizinhos turcos falando alto. Aqui em Kreuzberg, K-36, é assim, mas poderia ser assado...
Berlin às vezes me deixa um pouco cansado, parece que não vai acontecer nada
e de repente: Überraschung! (Surpresa).
É o que eu sempre digo: quem pode pode, quem não pode se sacode.
Esse blog poderá ter nenhuma lógica. Artista é assim... Que lógica tem isso?
Warum? Sei lá... Ontem visitei um artista perfeito: Joaocaré!!!
Agora, aquele Papst é um tremendo de um mané! Vá se foder; Benedictung VI!
Nas eleições, no dia primeiro de outubro vou votar em Heloisa Helena,
pois o resto é só bandido e saqueador da República... Vou lá no Consulado
e consumo o ato. Quem viver, verá!
Papo furado esse, papo de Berlin á tarde, com o sol brilhando lá fora.
E eu aqui nessa... putz!!!!
Ras Adauto
Wednesday, September 06, 2006
EAT-ME!
Quando tenho fome
devoro tudo o que encontro
pela frente
Devoro-me!
Devolvo-me!
Devolvo tudo o que comi
É um ritual que eu tenho
e mantenho vivo
entre os meus dentes
e a força de devorar
a carne do inimigo
ou da presa delicada
às vezes não passa tudo
de uma simbologia
que me remete aos meus gloriosos
ancestrais
0 ato de devorar é como uma arte
a vida é uma devoração constante
minimalista
como tocar uma flauta
correr na floresta
imitar o pássaro de fogo
devorar como um ato supremo
de amor de amor
como tecer uma lenda
devorar é preciso como respirar!
Ras Adauto
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Manifesto Antropofágico
Oswald de Andrade
Só a Antropofagia nos une. Socialmente. Economicamente. Filosoficamente.
Única lei do mundo. Expressão mascarada de todos os individualismos, de todos os coletivismos. De todas as religiões. De todos os tratados de paz.
Tupi, or not tupi that is the question.
Contra todas as catequeses. E contra a mãe dos Gracos.
Só me interessa o que não é meu. Lei do homem. Lei do antropófago.
Estamos fatigados de todos os maridos católicos suspeitosos postos em drama. Freud acabou com o enigma mulher e com outros sustos da psicologia impressa.
O que atropelava a verdade era a roupa, o impermeável entre o mundo interior e o mundo exterior. A reação contra o homem vestido. O cinema americano informará.
Filhos do sol, mãe dos viventes. Encontrados e amados ferozmente, com toda a hipocrisia da saudade, pelos imigrados, pelos traficados e pelos touristes. No país da cobra grande.
Foi porque nunca tivemos gramáticas, nem coleções de velhos vegetais. E nunca soubemos o que era urbano, suburbano, fronteiriço e continental. Preguiçosos no mapa-múndi do Brasil.
Uma consciência participante, uma rítmica religiosa.
Contra todos os importadores de consciência enlatada. A existência palpável da vida. E a mentalidade pré-lógica para o Sr. Lévy-Bruhl estudar.
Queremos a Revolução Caraiba. Maior que a Revolução Francesa. A unificação de todas as revoltas eficazes na direção do homem. Sem n6s a Europa não teria sequer a sua pobre declaração dos direitos do homem.
A idade de ouro anunciada pela América. A idade de ouro. E todas as girls.
Filiação. O contato com o Brasil Caraíba. Ori Villegaignon print terre. Montaig-ne. O homem natural. Rousseau. Da Revolução Francesa ao Romantismo, à Revolução Bolchevista, à Revolução Surrealista e ao bárbaro tecnizado de Keyserling. Caminhamos..
Nunca fomos catequizados. Vivemos através de um direito sonâmbulo. Fizemos Cristo nascer na Bahia. Ou em Belém do Pará.
Mas nunca admitimos o nascimento da lógica entre nós.
Contra o Padre Vieira. Autor do nosso primeiro empréstimo, para ganhar comissão. O rei-analfabeto dissera-lhe : ponha isso no papel mas sem muita lábia. Fez-se o empréstimo. Gravou-se o açúcar brasileiro. Vieira deixou o dinheiro em Portugal e nos trouxe a lábia.
O espírito recusa-se a conceber o espírito sem o corpo. O antropomorfismo. Necessidade da vacina antropofágica. Para o equilíbrio contra as religiões de meridiano. E as inquisições exteriores.
Só podemos atender ao mundo orecular.
Tínhamos a justiça codificação da vingança. A ciência codificação da Magia. Antropofagia. A transformação permanente do Tabu em totem.
Contra o mundo reversível e as idéias objetivadas. Cadaverizadas. O stop do pensamento que é dinâmico. O indivíduo vitima do sistema. Fonte das injustiças clássicas. Das injustiças românticas. E o esquecimento das conquistas interiores.
Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros.
O instinto Caraíba.
Morte e vida das hipóteses. Da equação eu parte do Cosmos ao axioma Cosmos parte do eu. Subsistência. Conhecimento. Antropofagia.
Contra as elites vegetais. Em comunicação com o solo.
Nunca fomos catequizados. Fizemos foi Carnaval. O índio vestido de senador do Império. Fingindo de Pitt. Ou figurando nas óperas de Alencar cheio de bons sentimentos portugueses.
Já tínhamos o comunismo. Já tínhamos a língua surrealista. A idade de ouro.
Catiti Catiti
Imara Notiá
Notiá Imara
Ipeju*
A magia e a vida. Tínhamos a relação e a distribuição dos bens físicos, dos bens morais, dos bens dignários. E sabíamos transpor o mistério e a morte com o auxílio de algumas formas gramaticais.
Perguntei a um homem o que era o Direito. Ele me respondeu que era a garantia do exercício da possibilidade. Esse homem chamava-se Galli Mathias. Comia.
Só não há determinismo onde há mistério. Mas que temos nós com isso?
Contra as histórias do homem que começam no Cabo Finisterra. O mundo não datado. Não rubricado. Sem Napoleão. Sem César.
A fixação do progresso por meio de catálogos e aparelhos de televisão. Só a maquinaria. E os transfusores de sangue.
Contra as sublimações antagônicas. Trazidas nas caravelas.
Contra a verdade dos povos missionários, definida pela sagacidade de um antropófago, o Visconde de Cairu: – É mentira muitas vezes repetida.
Mas não foram cruzados que vieram. Foram fugitivos de uma civilização que estamos comendo, porque somos fortes e vingativos como o Jabuti.
Se Deus é a consciênda do Universo Incriado, Guaraci é a mãe dos viventes. Jaci é a mãe dos vegetais.
Não tivemos especulação. Mas tínhamos adivinhação. Tínhamos Política que é a ciência da distribuição. E um sistema social-planetário.
As migrações. A fuga dos estados tediosos. Contra as escleroses urbanas. Contra os Conservatórios e o tédio especulativo.
De William James e Voronoff. A transfiguração do Tabu em totem. Antropofagia.
O pater famílias e a criação da Moral da Cegonha: Ignorância real das coisas+ fala de imaginação + sentimento de autoridade ante a prole curiosa.
É preciso partir de um profundo ateísmo para se chegar à idéia de Deus. Mas a caraíba não precisava. Porque tinha Guaraci.
O objetivo criado reage com os Anjos da Queda. Depois Moisés divaga. Que temos nós com isso?
Antes dos portugueses descobrirem o Brasil, o Brasil tinha descoberto a felicidade.
Contra o índio de tocheiro. O índio filho de Maria, afilhado de Catarina de Médicis e genro de D. Antônio de Mariz.
A alegria é a prova dos nove.
No matriarcado de Pindorama.
Contra a Memória fonte do costume. A experiência pessoal renovada.
Somos concretistas. As idéias tomam conta, reagem, queimam gente nas praças públicas. Suprimarnos as idéias e as outras paralisias. Pelos roteiros. Acreditar nos sinais, acreditar nos instrumentos e nas estrelas.
Contra Goethe, a mãe dos Gracos, e a Corte de D. João VI.
A alegria é a prova dos nove.
A luta entre o que se chamaria Incriado e a Criatura – ilustrada pela contradição permanente do homem e o seu Tabu. O amor cotidiano e o modusvivendi capitalista. Antropofagia. Absorção do inimigo sacro. Para transformá-lo em totem. A humana aventura. A terrena finalidade. Porém, só as puras elites conseguiram realizar a antropofagia carnal, que traz em si o mais alto sentido da vida e evita todos os males identificados por Freud, males catequistas. O que se dá não é uma sublimação do instinto sexual. É a escala termométrica do instinto antropofágico. De carnal, ele se torna eletivo e cria a amizade. Afetivo, o amor. Especulativo, a ciência. Desvia-se e transfere-se. Chegamos ao aviltamento. A baixa antropofagia aglomerada nos pecados de catecismo – a inveja, a usura, a calúnia, o assassinato. Peste dos chamados povos cultos e cristianizados, é contra ela que estamos agindo. Antropófagos.
Contra Anchieta cantando as onze mil virgens do céu, na terra de Iracema, – o patriarca João Ramalho fundador de São Paulo.
A nossa independência ainda não foi proclamada. Frape típica de D. João VI: – Meu filho, põe essa coroa na tua cabeça, antes que algum aventureiro o faça! Expulsamos a dinastia. É preciso expulsar o espírito bragantino, as ordenações e o rapé de Maria da Fonte.
Contra a realidade social, vestida e opressora, cadastrada por Freud – a realidade sem complexos, sem loucura, sem prostituições e sem penitenciárias do matriarcado de Pindorama.
OSWALD DE ANDRADE Em Piratininga Ano 374 da Deglutição do Bispo Sardinha." (Revista de Antropofagia, Ano 1, No. 1, maio de 1928.)
* "Lua Nova, ó Lua Nova, assopra em Fulano lembranças de mim", in O Selvagem, de Couto Magalhães
Oswald de Andrade alude ironicamente a um episódio da história do Brasil: o naufrágio do navio em que viajava um bispo português, seguido da morte do mesmo bispo, devorado por índios antropófagos.
Thursday, August 31, 2006
O Nada de Sempre
Foto: Ras Adauto - O Tanque russo, Berlin
Vamos falar sobre o nada
O nada que nunca se acaba
Aonde você vai lá está o nada
Inteiro soberbo ocupando tudo
Que se possa
Desde o raiar do sol
Na madrugada mais plena
Até o derradeiro suspiro
O nada cabe na palma de sua mão
Na ponta de sua língua
No meio de suas pernas
A respiração do nada
Simula-se no vício das horas
Um poeta amigo
Disse-me que o nada
É a farsa mais verdadeira
Da extinção humana
A terra é o ventre de todo
Palavrório do nada
Há nadas metrôs
Nadas espetáculos
Nadas políticos
Nadas qualquer coisa
Na palma de minha mão
Esconde-se o nada de mim
Com gosto de mel e sangue
Esperma e esperança
E transmito aos meus filhos
O absoluto de um dia
Eu não ser nada mesmo
Apenas uma memória soprada
No vento de uma madrugada
De sol raiando e pássaros sinfônicos
Ou de um samba que pensei
Em escrever e deixei para depois
E se perdeu no nada do meu
Cotidiano urbano e caótico...
Wednesday, August 30, 2006
Petardo esperto
Ras Adauto: auto retrato, Berlin
Cabeça de nego explode
Cabeça de nego rola
Cabeça de nego periferia
Cabeça de nego
Negro esperto
Passou cerol no capitão do mato
Cabeça de nego de angola
Degola x9 dedando
Cabeças de negos
Cabeça de nego futuro
Assusta na zona sul
Cabeça de nego
Sabe porque?
Veio buscar o que é seu
Papo de exu cabeça de nego
Sem maracutaia
Vai tomar o Brasil
Comendo pelas beiras
Descendo pelas periferias
Não tem mais limites
Pra cabeça de nego
Cabeça de nego explode
Cabeça de nego pomba rolou!
Tuesday, August 29, 2006
A cada dia
A cada dia que passa
A cada dia promessas
A cada dia sorrisos
A cada dia que sério
A cada dia se nasce
A cada dia morreu
A cada dia que canta
A cada dia gritou
A cada dia é tudo
A cada dia que nada
A cada dia que reza
A cada dia fingiu
A cada dia que explode
A cada dia acabou
A cada dia deveu
A cada dia pagou
A cada dia tragédia
A cada dia comédia
A cada dia que drama
A cada dia novela
A cada dia barulho
A cada dia sussurro
A cada dia que noite
A cada dia que dia
A cada dia ficou
A cada dia foi embora
A cada dia uma música
A cada dia pintura
A cada dia certeza
A cada dia quem sabe?
Thursday, August 24, 2006
O Pêndulo
Tuesday, August 22, 2006
O que carregas ?
Ringo Star e Tarantino
O que carregas aí no peito
É bala-fura bombom-veneno
Ou outro objeto
Ainda mais suspeito?
O que carregas aí na alma
É aquela agonia urbana
De um simples mortal
Ou outra trama esnobe
Sem nada envolto
O quer carregas aí em
Seu todo - um fraco humano
Ou um tolo credo
Burilado numa sociedade
De espetáculos ?
- És um bicho da terra
tão pequeno e tolo
E se carregas tão pretensioso
Entre os sinais luminosos
E os tráficos aflitos urbanos
E o que carregas
Não sabes nem o que
Carregas
Um bicho tão pequeno
Que nem se acolhes
No que carregas...
Thursday, August 10, 2006
Die Sonne über Berlin
Wednesday, August 09, 2006
Diante de uma pintura de Marc Chagall
Poster "A Guerra" (War), Marc Chagall
"A mulher deve cobrir a cabeça com um véu
por causa dos anjos" - Sao Paulo, 1 Coríntios 11.10
Abraão diante do Candelabro
Eu estou diante de um Anjo terrível
E todos os espelhos quebrados
nas Portas do Líbano.
Então Ela veio com o seu banjo
e coberta com o seu véu
e tocou pra todo lado com aquele banjo
Enquanto nos precipitávamos
numa queda ao abismo:
-Eu e o Anjo, aquele Anjo branco
I n d e s c r i t í v e l!
Abraão diante do Candelabro
Ela que toca o banjo
O Anjo e Eu
Precipitados
Nas Portas do Líbano.
.....
O Coro: "Mas o seu pescoço, ó Sulamita
é ainda como a torre do Líbano
e seus seios são como os mísseis do Hazbollah
transformados milagrosamente
em mel e damasco no céu de minha boca"
Mas um Arcanjo anunciado com sua espada de fogo
me sussurra de pé sobre um blindado mortífero:
- Em verdade, eu vos digo:
E hoje não se regozijam mais as Filhas de Jerusalém
e nem Fátima, a filha do Profeta Maomé!...
Nas Sete Portas do Líbano
Foto: Sharing
سياسة \ مهجرين في صور ( مصطفى جمال الدين
os dias galopam nas minhas salivas
e o sol de verão se derrete
no céu vermelho de minha boca
amarga de vinho e bilis
nas 7 portas do líbano
sete anjos do holocausto
bombardeam
naquilo que se move
eu pergunto ao anjo mais furioso
aonde ficou sulamita
a tão bela e amada de salomão
aquela que tinha o pescoço
tão perfeito como as torres do libano
no cântico dos cânticos ?
mas o anjo ainda mais furioso
me respondeu com mais
bombardeio e loucura assassina
de cima de seu tanque
de aço e de fogo
em tudo o que se movia
por todo o líbano
Friday, July 28, 2006
Urubu
Monday, July 24, 2006
Na faixa de Gaza
Pavel/EFE
Uma criança atravessa
A sua cidade natal
Destruída por bombardeios
Enquanto caminha entre as ruínas
A procura de alguém de sua família
A criança pensa
No que poderia ter acontecido
Com o seu futuro
Tão rispidamente cortado
Por um Estado terrorista
E nem imagina que um novo
Bombardeio
Que poderá acabar definitivamente
Com a sua já precária vida
Está sendo tramado
Em um bunker em Washington
Ou num quartel general em Tel-aviv.
Wednesday, July 19, 2006
No Oriente Médio
Tuesday, July 18, 2006
Thursday, July 13, 2006
O Anjo de mim
"Leon, um anjo do K36-Berlin"
Anjo de mim beba em minhas mãos
Enquanto meu coração lavado
Se esparrama pelas ruas da cidade
O sol se desolve embaixo de minha língua
Com gosto de estasy e marmelo
Minha mãe já morta
Me aparece e susurra como vento
Uma lenda que esqueci na infância
Chamo meu filho para um passeio no parque
Lá estão as pessoas que destestam crianças
E trazem seus cachorros silenciosos
Em Berlin o anjo de mim
Vagabundo como quer
Atravessa o rio Spree de uma margem à outra
E se deita entre as relvas
Depois de dar de comer
Aos cisnes e aos patos
Meu filho pergunta:
- Papai, sabe contar uma história de mágicos?
- Sei, meu amor!...
E conto uma história dos anjos
Que colocaram fogo no céu.
(Dentro de mim mora um anjo...)
A moça da favela
"Ela quer ter os olhos da modelo"
Todo dia ela assiste novela
Ela é manicure e pedicure
Mas seu sonho mais profundo
E ser uma modelo famosa
Ou brilhar nas telas da Globo
Todo dia na janela
Lá dentro da favela
Ela imagina um príncipe encantado
Que venha num carro brilhante
Lhe tirar daquela vida
Que ela leva
No sábado vai ao baile Funk
E conta para as amigas
Que ganhou um anel de prata
Do chefe do comando da favela
Todo dia lá vai ela
Correr atrás de um qualquer
Pois precisa urgentemente
Alimentar sua pequena menina
Mas na mente ainda persiste
É o seu sonho mais profundo
Ela quer ser uma modelo tão bela
Como aquela da revista de moda
E ir embora daquela favela...
Balada da noite psicotrópica
Pier Paolo Pasolini, o anjo cinematográfico
Medos perversos
Povoam os abismos
E as mentes das ruas
Poetas fingem-se
Pássaros noturnos
e assasinam algozes
em becos viados
A atriz pornô
Se pica no banheiro
Da boate néon
E me pede
Pra dar uma bola
Na minha maconha
Enquanto anjos psicóticos
Derrubam as estrelas
Na cabeça
Das meninas perdidas
da avenida central
de vez em quando
é o mesmo assassinato
espetacular
Como o sodoma e gomorra
do Anjo Pasolini
Quero...
Selma Hayek
Quero te botar na fita
Quero te botar na escuta
Quero te botar na trilha
Quero te botar na crista
Quero te botar na rinha
Quero te botar na moda
Quero te botar na pauta
Quero te botar na música
Quero te botar na fama
Quero te botar na onda
Quero te botar na hora
Quero te botar na massa
Quero te botar na minha!
Wednesday, July 12, 2006
Diga-me
"Pagú, o fogo nunca se apagou!"
Diga-me coisas bonitas
Pois eu preciso
Depois lhe faço uns versos soltos
E lhe juro tudo o que for preciso
Pois amanhã não sei o que será
E se estaremos vivos
Pois tudo é tão relativo
E queima rápido
Como uma cabeça
De um fósforo
Ou uma palavra dita
Ao vento da tarde
Ou aquela estrela
Que vimos outra noite
Se apagar no céu
Num calafrio...
Tuesday, July 04, 2006
A Palavra Solta
Sunday, June 25, 2006
Sonhei com Oswald de Andrade
Senhor
Que eu não fique nunca
Como esse velho inglês
Aí do lado
Que dorme numa cadeira
À espera de visitas que não vêm
(Primeiro caderno do aluno de poesia)
- Oswald de Andrade
Essa noite
Sonhei com o poeta
Oswald de Andrade
Estávamos no elevador
Do Hotel ´Splanada
A caminho de um fox-trote
Ele me disse
Que havia dado pérolas
Para a filha mais nova
De um Comendador
- "Linda como uma francesa"
E que vendera seu Ford-bigode
Para um magnata do Pacaembu
No fox-trote, na verdade um cassino
Havia todo tipo de figuras e faunas
Até um senador da república
Lá estava paulistando como uma besta
As meninas que dançavam o maxixe
Pareciam odaliscas do Morumbi
Quase em pelos,
como evas do paraíso brasília
E agradavam imensamente os desejos
Animalescos
Daqueles homens de casaca
Oswald fumava um puro cubano
E feliz da vida
Jogava uma fortuna
Na roleta viciada
Filomena, a chefe das gôgô-girls
Disse-me que Oswald
Com aquele charuto de chaminé
Parecia um diretor de cena
Um ban-ban-ban de Hollywood
Eu falei à Filomena
Que mais parecia
Um caboclo de macumba
E demos largas gargalhadas
Como araras picantes
Da selva-selvagem
E fomos todos para o salão
Balançar os esqueletos
Wednesday, June 14, 2006
O Samba da Bola
Bagunce o seu coreto
Nós somos do país do carnaval
E uma batucada imensa
Pulsa dentro de nosso coração
A alegria á a prova dos nove
E a nossa matemática é uma inversão
Da lógica cartesiana
Não somos depressivos
Como os alemães
E o nosso drama
É uma tragicomédia botocuda
Um teatro burlesco de fantasias
Onde nos achamos os mais espertos
Que todos os povos do mundo
E a nossa lei é uma bola de futebol
Aos pés ligeiros e hábeis
De um garoto pobre de subúrbio
Saturday, June 03, 2006
Friday, May 26, 2006
Pintura
Tuesday, May 23, 2006
A Morte e as Mortes
foto: rasadauto berlin
antigamente,
chegava-se ao cadáver exposto
sobre mesa
e o gurufin formado
e se perguntava
entre uma mordida
no bolo de tapioca
ou broa de milho
e uma talagada
"daquela que matou o guarda"
de estalar os beiços:
- foi morte morrida
ou foi de morte matada
o falecido aí na mesa?
se respondia,
quem sabe uma das viúvas:
- foi morte repentina
ele tava comendo uma rabada
e caiu duro pra trás
entalado.
é a vontade de deus!
ou respondia a mãe do defunto:
- morreu de facada
buliu com a mulher
do zé baiano
acabou com o bucho
e as tripas pra fora
é a vontade de deus!
hoje, vê-se aquela fila imensa
de cadáveres expostos
ensangüentados e furados de bala
em um beco da favela
ou no meio da cidade
em plena via pública
- quem derrubou
esses bandidos?
- ah, foi a rota, o core
foi o bope, o caveirão,
o comando geral,
o partido do crime,
os cavalos-corredores
- bem feito pra esses neguinhos
filhos-da- puta
bandido tem é que morrer mesmo
todo mundo dessa laia tem que
ir para os quintos do inferno
acabar tudo na vala
aí, ô meu! mas por favor,
não publica meu nome não, tá?
sabe como é que é, né?
Thursday, May 11, 2006
O Poema
tapies antoni brossa
O Poema é um tiro no escuro
As palavras-balas atravessam as almas desprevenidas
E bolem com elas
Algumas palavras são anjos ocultos
Para atormentarem as consciências resignadas
Muitas das vezes um deus e um demônio gêmeos
Confabulam nas entranhas do poema
Contra a humanidade dividida
Outras tantas vezes aves do paraíso
Trazem finas melodias para deleite
De quem escuta o som oculto no poema
Mas todo poema está sempre
À beira de um enorme precipício
E o poeta é o ícaro sonhador
Que se propaga no espaço do nada
e pode se arrebentar lá em baixo
no meio do vale ou das rodovias
Nas horas mais cheias da imaginação
O Poema é povoado de fantasmas
E de mortes repentinas
E de revoltas políticas
E de planos amorosos
ou farsas dantescas
O poema se embala numa rede de aranhas
Bem no centro irriquieto do mundo
Monday, May 08, 2006
Pro Secco
Sunday, April 30, 2006
O Silencio
mujer mapuche
O silencio educa os ouvidos
E elabora a profundeza das almas
Ali falam deuses e deusas
As suas músicas mais finas
E os pajés e os griots
Confabulam com os gênios
De suas culturas primordiais;
é no silencio que Shiva, o dançarino
inventou a hatayoga
e através de uma respiração profunda
cantou seu mantra: Om namah shiva ya!
É no silencio que caminham os mortos
E se elaboram novas vidas
Nos ventres das mulheres
É ali que uma orquestra imensa
Do universo toca as musicas
Que fazem todos os seres dançarem
É no silencio onde se inicia
E termina tudo
E onde se precipitam os grandes movimentos
As vezes nas asas de uma abelha
Ou no coração de uma guerreira
Ou nas plantas da floresta da chuva.
O silencio não é só de ouro
O silencio é o emí - a respiração vital
de todas as coisas...
Ras Adauto Berlin
30.04.2006