Sunday, March 04, 2007

Eu, Ras Adauto, faço de Lima Barreto um personagem de minha performance


Lendo "O Diário Íntimo de Lima Barreto"
hoje de noite!

Como num poema de embriagues
fala-me nas sombras do meu quarto aqui de Berlin
nessa noite fria de primavera
Afonso Henriques

Meu filho Leon dorme como um anjo mestiço
em seu quarto cercado de brinquedos
enquanto Katharina digita em seu note-book
uma história maluca...lá na cozinha.

E o que me fala Afonso Henriques
mais conhecido como Lima Barreto
para outro negro que nem ele
mas vagando em terras estrangeiras?

Uma televisão está ligada na casa do turco ao lado
e eu falo para Afonso Henriques:

- Afonso, o que mudou em nossa Bruzundangas?

E Afonso me responde, enquanto toma sua pinga
mesmo no gargalo:

"Um progresso! Até aqui se fazia isso sem ser preciso estado de sítio; o Brasil já estava habituado a essa história. Durante quatrocentos anos não se fez outra coisa pelo Brasil. Creio que se modificará o nome: estado de sítio passará a ser estado de fazenda. De sítio para fazenda, há sempre um aumento, pelo menos no número de escravos..."

Depois desaparece no meio dos móveis prometendo voltar
outra noite com mais calma e menos bêbado...




Lima Barreto no Hospício

Take 2:


O Diário de um tipo Extravagante

Dias depois encarno Lima Barreto em uma performance:

Ano: 1903
Afonso Henriques enquanto jovem:

Meu personagem, vestido elegantemente um pobre terno preto, tendo à cabeça um chapéu panamá, escreve com suas letras graúdas e perfeitas em seu “Diário Íntimo”:

”Eu sou Afonso Henriques de Lima Barreto.
Tenho vinte e dois anos.
Sou filho legítimo de João Henriques de Lima Barreto.
Fui aluno da Escola Politécnica.
No futuro, escreverei a História da Escravidão Negra no Brasil
e sua influência na nossa nacionalidade.

* * *
Nasci em segunda-feira, 13-5-81.

..................
Alguns anos depois, meu personagem vaga como um fantasma pelos Corredores do Hospício do Pinel, em Botafogo. E recita para si próprio:

- Estou cansado da polícia interferir sempre em minha vida particular.
Eu, Afonso, não nasci para habitar o Cemitério dos Vivos. Enquanto isso essa canalha, vestida à francesa, passeia pela Bruzundungas pomposos e ridículos,donos dos puteiros, das loterias e das casas bancárias...
“Mas... estou na cova e não devo relembrar aos viventes coisas dolorosas.”

A sopa do Hospício veio fria e insonsa. Afonso olha pela janela, enquanto um doido passa correndo pelo corredor sendo perseguido por uma freira nervosa. Suas letras no papel amarelado sao garranchos obtusos. Suas maos tremem!

Textos de Lima Barreto e Ras Adauto

No comments: