Tuesday, February 27, 2007

O POETA & O SOLDADO



"Não conseguiu fazer
o grande pacto entre o cosmo sangrento e a alma pura: guerreiro defunto mas intacto (tanta violência mas tanta ternura)" . Mário Faustino

O ARAUTO:

Tantas vidas desperdiçadas
tantas batalhas inúteis
tantos sonhos desfeitos
na sangrenta aventura
e a pura alma amordaçada
tentou decifrar para os futuros
aquela inútil e titânica ventura
com suas palavras de fogo
entranhas sangrentas e amargura
e o poeta dizia com toda a sua candura
tanta violência/ mas tanta ternura...



O SOLDADO:

Eu fui mandado
com todas essas armas
para ocupar esse território;
fui treinado para isso:
- ocupar. matar, desintegrar
sou pago para isso
minhas armas poderosíssimas
são os complementos finais
de minha alma hoje em dia:
matar ou morrer
é o mesmo calibre
- fui exaustivamente
treinado para isso:
morrer ou matar!...


O POETA:

Ontem sonhei
Anteontem sonhei
e acordei no meio
da terrível realidade:
não bastam somente às palavras
que são as palavras
sob a eminência de permanentes tragédias
e chacinas de pessoas
no Rio de Janeiro
na África
na Bósnia
no Afeganistão?!...


O SOLDADO:

Quantos já matei?
Não sei. Milhares. Milhões.
Sou um serial killer bem programado
em circuitos perfeitos;
quando aponto minhas armas
mortíferas e certeiras para um alvo
só tenho uma determinação
uma só ordem: destruir
totalmente o alvo.

Não existem certo ou errado
no meu mundo
existem a ordem suprema
as armas em minhas mãos
o alvo a ser atingido
e o meu desempenho inabalado.

Sentimentos?
Não os tenho nenhum
tenho boa mira
e a obstinação de destruir
definitivamente o Alvo
que podem ser cidades
aldeias carros de combate
usinas monumentos populações civis
- todos são o Inimigo, o Alvo
se essa for a ORDEM!...


O POETA:

À vezes ando pelas ruas
e não me sinto mais
turbilhões de sinais e ícones
tentam chamar a minha atenção
e quantos cadáveres caminham
por essas ruas!...

Vejo toda essa programação mórbida
que me atormenta
enquanto meu coração pede
i n s i s t e n t e m e n t e:
VIDA VIDA VIDA
como um mantra interminável
uma última oração
no meio do caos
e das íntimas e coletivas tragédias
enquanto caminho entre os cadáveres
máquinas precisas e sedutoras
e imagens espetaculares e manipuladas...


O SOLDADO:


Nesses séculos
estive em todas as batalhas
combati em todas as guerras
em qualquer lugar
de todos os hemisférios.

Lá estavam as minhas armas e eu
oscilando no mesmo
e crucial destino:
- matar matar matar!!!

Era a nossa única ORDEM...


O POETA:


Quantas vezes olhei o mundo
de maneira diferente
sóbria esperançosa delicada
amei tidas as mulheres possíveis
com essa mesma sintonia.

Meu coração se derramava por tudo
falava com as coisas
compunha sinfonias incessantes
construía paises azuis
dialogava com os seres que vivem nas sombras
eu era tão jovem
e criava cidadelas alegres
recitava poemas d´amor
ia em todos os lugares:
etiópia constantinopla alexandria urucu-mirim
fui ao reino de Gengis Khan
visitei Akaenathon Nzinga e Carlos Magno
estive com Maria Antonieta em Versalles
saudei Zumbi em Palmares
imaginei conquistas perfeitas
estados generosos
civilizações delicadas
repúblicas anarquistas
conciliei raças e nações belicosas
invoquei deuses de todos os panteões
adorei deusas de todas as seitas
rompi fronteiras inexpugnáveis
dormi ao ar livre como uma onça
voei com as águias a céu aberto
encontrei profetas no deserto
banhei-me no Jordão no Nilo e no amazonas
dancei na Via-láctea a dança do Sol
enquanto morria de amor
nos braços de uma cigana
numa lua resplandeceste
de violinos guitarras e castanholas
como um personagem de Garcia Lorca
em Andaluzia...


O SOLDADO:


Armei milhões de emboscadas
cobri campos e campos
com milhares de minas mortíferas
detonei mísseis em capitais e cidades
degolei cabeças
esmaguei guerrilhas e revoltas localizadas
assassinei políticos e oposições
na américa latina
na áfrica
no oriente
na ásia e oceania
ocupei a europa
nenhuma moral nisso
- é a sentença de uma Ordem Superior
de uma Raça Superior
de uma Missão Superior:
subjugar e destruir o inimigo
onde ele estiver
em todos os continentes da terra

Inclusive destruir esse poeta idiota e fraco
que tenta dialogar comigo...

- Sou maior que Napoleão Átila Júlio César Hitler
sou o Arcanjo do último selo assinalado
meu nome é Armagedon
Eu Sou...e mato tão Completamente!...


O ARAUTO:

O POETA e o SOLDADO
se digladiam no meio do Mundo
como num filme de catástrofes e destruição
Um Anjo branco toca uma trombeta
no umbral da porta principal das Metrópoles
enquanto um Negro Anjo dança
com uma bailarina num trapézio
com as cores do arco-íris
entre o céu e a terra
todas as televisões estão sintonizadas
nessa grande e final loucura
e o sussurro do poeta ainda acalenta:
- tanta violência/ mas tanta ternura...

Berlin 4 de setembro de 2002

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