Saturday, November 26, 2005

Entrevista para o K36 Kreuzberg News - Continuando...

continuando...

- Voce acredita em Deus ?

- Deus para mim é uma icógnita. Eu acredito em muitos deuses e deusas. Sou um panteista e um ecumenico. Meu orixá
é Logun-Édé, por sinal o orixá artista, assim como Oxumaré, a Boa. Eu fui criado dentro do catolicismo até determinada idade, beijava mao de padre, ia à igreja me confessar e comungar, assistia aqueles filmes da "Vida de Cristo" todas as sextas-feiras da Paixao. Aí um dia todas as mulheres da minha casa, minha mae e minhas irmas, bolaram no Santo. Comecou a aparecer Ogun. Yemanjá, Oxossi, Seu Cobra Coral, Exú Tiriri, etc. Essas entidades tomaram a minha casa
e entre imagens de Nossas Senhoras e Coracoes de Jesus, Sao Jorge matando o Dragao, Santas Claras, essas energias, o nosso lado africano, pediram passagem debaixo daquele esconderijo de cruzes e ladainhas e ficaram.

Li muito também sobre religioes orientais: budismo, hinduismo, lamaismo, etc. Eu gosto, só nao suporto mais essa visao catequética da humanidade, seja do catolicismo, judaismo, islamismo, evangélica... Todo muito deve professar a religiao que mais lhe couber no coracao e na alma, mas só nao pode achar que a sua religiao é a única e vrdadeira, que está acima das outras. Por isso nao gosto de Papas e pastores. Como poderia citar o Buda: o buda é voce mesmo, cada um é seu próprio buda... Como cada um de nós, como ensina a cosmologia do ser dos yorubas, cada um de nós carrega seu próprio Exú dentro de si e seu Ori...

Entao Deus pra mim é um coquetel disso tudo e ele pode estar agora, misturado à minha saliva, embaixo de minha língua. Gosto muito daquela tirada do genio do cinema espanhol, Luis Bunuel, quando lhe perguntaram que religiao ele era: "Sou ateu, gracas a Deus", respondeu com ironia à reporter.

- Recita alguma coisa aí pra nós para terminarmos a entrevista:

- Cada palavra carrega um segredo
mas é entre o silencio entre uma palavra e outra
é que se pronuncia a música
ou uma terrível revelacao
ou se quiserem é onde habita o nada
na verdade nao existe esse silencio
como sempre relatou o músico John Cage
pois é justamente ali no meio daquele silencio
que nasceu a primeira palavra da humanidade
que para os Egípicios antigos era o grito de Osiris
"RA!!!"
ou o "OM" de Shiva
a palavra-flauta de Tupa
o estrondo de Thor dos Vinking
ou o grito do Orixá quando dá o seu nome
num ritual de iniciacao de uma yao

Por isso que uma palavra nao deve
ser dita a toa...

Entrevista: Andreas Dick
Entrevistado: Ras Adauto

Berlin, 26.11.2005

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