Saturday, March 24, 2007

AMAZON STREET, DOWN!


Cunhaporanga

Garimpos de mortes, lucros clandestinos
e desesperos radioativos.
Índios lambendo lascas de cassiterita,
urânio e nióbio.
Comandos de motor-serras e fogos de queimadas.

Na fachada, em letras caprichadas de néon
e desenhos de araras:
"RESERVA: Turismo Ecológico!".

- Por aqui senhoras e senhores, que belo plano:
seringais nas vitrines
onças mestiças sonolentas
jacarés preguiçosos ao sol
macacos engraçados tocando punheta
ultimas novidades do Jupon

Wonderful, Wundebar, Amazonas!

O grande rio caudaloso
e seu afluentes e igarapés
correm seus destinos e máguas imensas
e não escutam os gritos das meninas morenas
estupradas nas taperas e quebradas.

O governador prega a moral nacionalista e regional:
- A Amazônia é nossa!...
Mas as suas mãos estão sujas de dólares e peles de jacaré
e quantas madeiras foram cortadas, curumim ?

A cólera se avizinha pelos intestinos dos meninos
e batalhões de urubus passeiam nos quintas
e margens do rio
anunciando uma ópera-fúnebre...

A turista-gringa videografa o caboclinho beautiful
fazendo piruetas engraçadas vendendo cupuaçu na porta do hotel 5 estrelas:
depois ela fotografa solene
a fachada da catedral-teatro Amazonas
(dizem que nos subterraneios da catedral
se arrastam fantasmas de índios massacrados
e uma imensa cobra mitológica)

Mas a grande selva-selvagem
ruge ainda as revoltas dos índios insurretos
e das antigas nações destrocadas
que não se entregaram nunca.

Mas seus poetas estão bêbados
seus pintores loucos
seus jornalistas mudos
(Será?)

O Karapanã ronda o próximo amanhecer
e tem a promessa escondida de Ajuricaba e Maruaga
(Será ?)

O resto é desconsolo e esperanças misturadas
imensidão de águas infinitas
novidades eletrônicas na Zona Franca
favelas de latas
turismo na parte da selva domada
ruídos irritantes de motor-serras
comboios de fenemes e mercedes bens
rasgando as estradas da floresta
arrastando minérios para as usinas nucleares
dos Estados Unidos e da Europa toda.

No fundo do agarapé
há um caboclo esperto
espiando pela janela da tapera
os invasores de suas terras
- segura firme o afiado terçado.

Um radar imenso vasculha a região
periquitos-turbinados cortam a mata à óleo diesel
levam o ouro clandestino misturado com o ipadú
e sangue misturados nos garimpos contaminados

Indiazinhas amordaçadas em puteiros palafitas
quilombos se irriquietam na bacia do rio trombetas
parabólicas emplumadas recebem a Rede Globo
em plena mataria dos manaús:
araras e jacarés-acu querem aparecer na televisão!

Padres pastores missionários bandeirantes generais
políticos fazendeiros burocratas garimpeiros antropólogos gringos
pesquizadores jagunços posseiros juizes sertanistas televisões
funai e tantos outros vampiros
cercam obsessivamente as malocas e aldeias.

Vou ali trocar uns dólar
- Tem suco de cupuaçu, graviola, mastruz, abacatada.
Fala alí com o Índio!
- Quero uma caldeirada de Tucunaré!
Uma ararinhanha de óculos ri pra mim!

O peixe boto-tucuxi
na sua importância de governador
diz cinicamente para Mary Anderson
correspondente da BBC de Londres:
- Internacionalizar?
nem pensar:
isso aqui é uma reserva ecológica
auto-sustentada. ok?
e pergunta para sua assistente:
- Fui bem? Fotografei bem?

E um curumim. saído no sei da onde,
vira-se para a câmera da BBC e diz:
-"Yá só Pindorama koti itamarana pó anhatin,
yara rama ae rece".
(Criança, não verás nenhum país como esse!)

Ras Adauto Baraúna
(Psicografado na madrugada de 02.03.1992, a bordo de uma
rede instalada entre mais de 100 outras redes e almas,
no motor "Rodrigues Alves II, entre Santarém e Belém do Pará,
Rio Amazonas)

Sunday, March 04, 2007

Eu, Ras Adauto, faço de Lima Barreto um personagem de minha performance


Lendo "O Diário Íntimo de Lima Barreto"
hoje de noite!

Como num poema de embriagues
fala-me nas sombras do meu quarto aqui de Berlin
nessa noite fria de primavera
Afonso Henriques

Meu filho Leon dorme como um anjo mestiço
em seu quarto cercado de brinquedos
enquanto Katharina digita em seu note-book
uma história maluca...lá na cozinha.

E o que me fala Afonso Henriques
mais conhecido como Lima Barreto
para outro negro que nem ele
mas vagando em terras estrangeiras?

Uma televisão está ligada na casa do turco ao lado
e eu falo para Afonso Henriques:

- Afonso, o que mudou em nossa Bruzundangas?

E Afonso me responde, enquanto toma sua pinga
mesmo no gargalo:

"Um progresso! Até aqui se fazia isso sem ser preciso estado de sítio; o Brasil já estava habituado a essa história. Durante quatrocentos anos não se fez outra coisa pelo Brasil. Creio que se modificará o nome: estado de sítio passará a ser estado de fazenda. De sítio para fazenda, há sempre um aumento, pelo menos no número de escravos..."

Depois desaparece no meio dos móveis prometendo voltar
outra noite com mais calma e menos bêbado...




Lima Barreto no Hospício

Take 2:


O Diário de um tipo Extravagante

Dias depois encarno Lima Barreto em uma performance:

Ano: 1903
Afonso Henriques enquanto jovem:

Meu personagem, vestido elegantemente um pobre terno preto, tendo à cabeça um chapéu panamá, escreve com suas letras graúdas e perfeitas em seu “Diário Íntimo”:

”Eu sou Afonso Henriques de Lima Barreto.
Tenho vinte e dois anos.
Sou filho legítimo de João Henriques de Lima Barreto.
Fui aluno da Escola Politécnica.
No futuro, escreverei a História da Escravidão Negra no Brasil
e sua influência na nossa nacionalidade.

* * *
Nasci em segunda-feira, 13-5-81.

..................
Alguns anos depois, meu personagem vaga como um fantasma pelos Corredores do Hospício do Pinel, em Botafogo. E recita para si próprio:

- Estou cansado da polícia interferir sempre em minha vida particular.
Eu, Afonso, não nasci para habitar o Cemitério dos Vivos. Enquanto isso essa canalha, vestida à francesa, passeia pela Bruzundungas pomposos e ridículos,donos dos puteiros, das loterias e das casas bancárias...
“Mas... estou na cova e não devo relembrar aos viventes coisas dolorosas.”

A sopa do Hospício veio fria e insonsa. Afonso olha pela janela, enquanto um doido passa correndo pelo corredor sendo perseguido por uma freira nervosa. Suas letras no papel amarelado sao garranchos obtusos. Suas maos tremem!

Textos de Lima Barreto e Ras Adauto