Saturday, February 18, 2006

O Padre Pinto da Oxum




Padre Pinto da Lapinha
Jogou dendê na batina
Colocou um cocar de índio na cabeça
E foi rezar a missa de Jesus
Dançando como uma Oxum

As autoridades eclesiásticas de Salvador
Aparvalhadas gritaram:
Esse padre está doido
Merece a inquisição
O hospício
Ou o fundo do inferno
Por tamanha heresia

Mas Padre Pinto
Se maquiando todo
Uma conta de santo no pescoço
Junto com o crucifixo de ouro
Se prepara feliz e decidido
Para ir à Liberdade
Ver o Ilé Aiyé passar

E comenta aos jornais do dia:

- Essa igreja está podre!

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Padre estrela


Paloma Jacobina

Padre José Pinto, 58 anos, é a grande sensação do Verão 2006. E ele não se destacou pelo trabalho de mais de 30 anos que fez à frente da Paróquia da Lapinha, onde implantou uma forma mais aberta de lidar com seus fiéis, de celebrar as missas e até de se relacionar com a mídia.
Padre Pinto virou assunto dos principais jornais nacionais porque resolveu - depois da liberação médica - `soltar´ seus instintos e oferecer um grande espetáculo de dança e figurino a todos que foram conferir a Festa de Reis da Lapinha deste ano. A partir daí, encarou um fogo cruzado com todos os que estranharam o seu comportamento, incluindo a Arquidiocese e o Vaticano.
Pivô de uma polêmica que dividiu os paroquianos da Igreja da Lapinha - uma das mais tradicionais de Salvador -, Padre Pinto foi afastado de suas funções logo em seguida, segundo a Arquidiocese, para "tratamento médico". Na seqüência, ele se engajou na campanha dos seus partidários e participou de caminhadas, programas de TV, rádio e deu entrevistas a jornais. Mas, quando tudo parecia voltar à normalidade, eis que ressurge o sacerdote no Festival de Verão de Salvador para julgar as candidatas à Deusa do Ébano do Ilê Aiyê, e voltar à mídia dando um `beijinho´ em Caetano Veloso.
Essa foi a gota d''água e, `surtado´ ou não, Padre Pinto foi definitivamente afastado de sua igreja. Essa semana, a polêmica girou em torno da sua saída da casa paroquial, que agora será ocupada por outro membro da Sociedade das Divinas Vocações - à qual pertencia. "Padre Pinto já se fantasiou de baiana, índio e até de um dos orixás do candomblé - Oxum. Tudo para aproximar as religiões e promover o respeito entre todos, apesar da diversidade", defende a beata Maria Alves Joaquim, de 56 anos, fã do padre e uma da suas maiores defensoras. Sempre bem maquiado, o padre completava suas performances com danças que misturam os rituais católicos e do candomblé.
Mas, foi só depois do beijo em Caetano, que o presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e arcebispo primaz, cardeal dom Geraldo Majella Agnelo, decidiu afastar o sacerdote de suas funções definitivamente. Segundo uma nota da CNBB no primeiro afastamento - temporário e para tratamento - "o comportamento do padre merecia cuidados terapêuticos". Suas atitudes foram consideradas "fora da normalidade e, por isso, causaram perplexidade entre autoridades, fiéis e participantes dos festejos do Terno de Reis".
Padre Pinto, por sua vez, declarou que seu ato segue as determinações do papa João Paulo II, que incentivou a união entre as religiões. "Quando danço vestido de orixá, não só apresento uma outra cultura aos meus fiéis, como também permito que integrantes do candomblé venham à nossa igreja e se identifiquem com o que está sendo apresentado. Essa mistura é muito forte para ser negada pelo catolicismo", defendeu-se. Quanto à sua saída da paróquia, ele afirmou que só o fará quando o superior da congregação chegar a Salvador e retirá-lo de lá pessoalmente.
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Mobilização
Assim como recebeu muitas críticas, padre Pinto também mobilizou um grande número de pessoas em torno de sua defesa. Na paróquia da Lapinha, caminhadas foram organizadas pelos seus seguidores, que até ameaçaram não entrar mais na igreja. No artigo que escreveu para discutir a questão, o antropólogo Roberto Albergaria afirma que "o caso (ou a causa) do padre Pinto é o (a) de todos os baianos - bradando pela liberdade das nossas formas de querer, de parecer e de cultuar todos os deuses". Segundo Albergaria, o resto é a "velha triste Bahia travestida de nova terra da alegria". A dona de casa Thelma Vidal, 37 anos, também concorda que o ataque ao padre foi muito grande. Ela aproveita para lembrar que o sacerdote estava na paróquia há mais de 30 anos e que foi justamente assim que a Lapinha ficou conhecida em todo o Brasil. "Ele sempre foi um homem muito próximo da comunidade e dos jovens, por isso temos tanto apreço pelo seu trabalho", concluiu.

Aqui Salvador, Correio da Bahia, 10.02.2006

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